Ironicamente, brasileiros que transformaram a camisa amarela da CBF em símbolo de amor pelo país estão em campanha contra a Seleção e o principal evento que ela disputa, a Copa do Mundo. Nas redes sociais e em grupos no WhatsApp e Telegram, há uma intensa campanha de bolsonaristas pedindo que os patriotas boicotem os jogos que acontecem no Catar e sigam concentrados na pauta do momento: a contestação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições.
Nos ambientes virtuais, militantes bolsonaristas defendem que entrar no clima de Copa seria se submeter a uma versão contemporânea da política do pão e circo, estratégia do Império Romano (27 a.C. a 476 d.C.) para evitar revoltas populares.
A ordem nos espaços onde a militância bolsonarista se manifesta é esquecer a Copa e dedicar a energia a ficar na frente dos quartéis Brasil afora, pedindo a ajuda dos militares para evitar a posse de Lula.
O medo entre os influenciadores é que o torneio, que dura um mês e tem mais de um jogo por dia na primeira fase, acabe desmobilizando as manifestações, que já estão na terceira semana e vão ficando cada vez mais difíceis de manter na primavera chuvosa deste ano em São Paulo e Brasília, principais pontos de aglomeração em frente às instalações militares.
Um temor que é compartilhado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com apuração do colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, o ainda chefe do Executivo federal avalia que a Copa tem o potencial de esvaziar os protestos. Nesse cenário, a promessa do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de reclamar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre um suposto problema nas urnas seria uma tentativa de manter o interesse dos bolsonaristas no tema.
Na Copa de 2014, quem protestou foi a esquerda
Os bolsonaristas radicais não são o primeiro grupo político a militar pelo boicote à Copa do Mundo entre os brasileiros. Há oito anos, quando o Mundial foi realizado no nosso país, também houve uma mobilização anticopa, mas, naquele caso, eram militantes de esquerda que protestavam.
O slogan “Não Vai ter Copa” nasceu ainda no ano anterior ao evento, 2013, quando uma série de protestos balançou o país e os gastos públicos com a construção de estádios luxuosos foram um dos alvos dos manifestantes.
Em 10 de dezembro de 2013, Dia Internacional dos Direitos Humanos, movimentos sociais ligados à esquerda lançaram um manifesto com o título “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” e uma agenda de protestos foi organizada no ano seguinte.
Em um dos momentos mais dramáticos dos protestos contra a Copa, centenas de indígenas que estavam em Brasília no dia 27 de maio de 2014 se juntaram aos manifestantes anticopa e se dirigiram ao recém-construído Estádio Nacional para protestar. A polícia cercou a arena para impedir o avanço dos manifestantes e se seguiu uma batalha campal que acabou com dezenas de feridos e intoxicados por gás, além de um PM atingido por uma flecha.
O clima era tão tenso que bonecos infláveis do mascote daquela Copa, o Fuleco, que ficavam expostos nas cidades-sede precisavam ter escolta 24 horas por dia para não serem “mortos” por manifestantes.
No fim, porém, teve Copa e o evento foi um sucesso, apesar do 7 a 1.