Para cumprir promessas, Lula depende de Congresso, STF e governadores

O “revogaço” de decretos e portarias do governo Bolsonaro e a edição de novas normas que estão dentro das prerrogativas do Poder Executivo deverão intensificar os primeiros dias da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República. Para cumprir as promessas feitas ao longo da campanha e reforçadas na posse, porém, o petista não dependerá apenas da própria caneta, mas também da concordância de outros entes, como o Congresso, que toma posse só em fevereiro, o Poder Judiciário e até mesmo governadores e prefeitos.

A retomada na demarcação de terras indígenas, por exemplo, é uma promessa de Lula que, para se consolidar, dependerá da conclusão do julgamento da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também de aprovações caso a caso pelo Congresso.

Em um julgamento que se arrasta há anos e que sempre foi muito atacado por Jair Bolsonaro (PL), o STF está debatendo se só podem ser demarcadas terras ocupadas pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Agora, sob o governo Lula, o julgamento deverá ser retomado – mas ainda não há data para isso.

Montagem de base aliada no Congresso

No mês que falta para os deputados e senadores eleitos em 2022 tomarem posse, o governo Lula também terá de se preocupar com a formação de uma base de apoio mais sólida. Com os parlamentares de partidos que hoje estão representados no ministério do petista, Lula tem só um pouco mais do que os 257 votos na Câmara e 41 no Senado que são necessários para aprovar projetos de lei e está longe dos dois terços que são exigidos para aprovar propostas de emenda à Constituição (PECs).

Com isso, o governo que começa terá de negociar muito para conseguir, por exemplo, garantir a continuidade do Bolsa Família de R$ 600 para além de 2023 – medida garantida pela PEC da Transição. Essa relativa fragilidade é uma ótima notícia para Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que querem se reeleger presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado e podem ajudar a ampliar a base se tiverem o apoio do governo nas eleições internas que vão ocorrer no início de fevereiro.

Com ou sem revanchismo em relação aos bolsonaristas?

A possibilidade de uma perseguição jurídica a Bolsonaro e a seus aliados pelo novo governo foi um assunto muito em voga nas últimas semanas, apavorando parte dos bolsonaristas. Ao discursar, ontem, no Congresso, Lula disse não carregar “nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a ação a seus desígnios pessoais e ideológicos”, mas prometeu “garantir o primado da lei” e disse que “quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal”.

Não há muito, porém, que o governo federal possa fazer em relação ao processo legal, que é prerrogativa de outro poder. Investigar e processar membros do governo que acabou são funções das polícias e do Ministério Público, e quem pode julgar é o Judiciário federal, que é independente. O máximo que o governo Lula poderia fazer nesse campo são sindicâncias e investigações internas no âmbito da Controladoria-Geral da União (CGU), que poderiam municiar os órgãos de investigação, mas a decisão final não depende de Lula ou de seus aliados.

Sigilos de 100 anos

Medidas para ampliar a transparência dos atos do governo, porém, são uma prerrogativa de Lula, e ele já determinou, em primeira rodada de assinatura ainda no domingo, que a CGU reavalie em até 30 dias os sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro. Como muitos desses atos normativos dizem respeito a dados pessoais, como a carteira de vacinação do próprio Bolsonaro, a CGU vai ter de avaliar caso a caso o que pode ser liberado para o conhecimento público.

“A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida, o Portal da Transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público”, discursou Lula, no Congresso.

Trabalho em conjunto com governadores

Várias das promessas feitas por Lula dependem de parcerias do governo federal com os demais entes federativos. É o caso de políticas voltadas à segurança pública (como o esforço para promover o desarmamento), já que a gestão das polícias Civil e Militar é responsabilidade dos governos estaduais.

Também são governadores e prefeitos que precisam decidir sobre parcerias para a realização de programas habitacionais e obras de infraestrutura. Para criar uma agenda de investimentos públicos pelo país, Lula deve acenar, já nesta semana, aos governadores, conforme prometeu no discurso de posse.

“Em diálogo com os 27 governadores, vamos definir prioridades para retomar obras irresponsavelmente paralisadas, que são mais de 14 mil no país. Vamos retomar o Minha Casa Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer”, discursou o presidente empossado.

Revogação de reformas?

Ciente de que não pode tudo, Lula tem mudado, nas falas mais recentes, ideias que promovia ao longo da campanha, como a promessa de revogar a Reforma Trabalhista feita durante o governo de Michel Temer (MDB).

Como uma “canetada” nesse sentido poderia ser questionada na Justiça – além de aterrorizar o mercado financeiro–, o presidente eleito já sinaliza que quer dialogar, e seus aliados admitem que apenas pontos mais polêmicos da reforma, como o contrato de trabalho intermitente, serão debatidos novamente.

“Vamos dialogar, de forma tripartite – governo, centrais sindicais e empresariais – sobre uma nova legislação trabalhista”, disse Lula, sinalizando que ouvirá os patrões. “Garantir a liberdade de empreender ao lado da proteção social é um grande desafio nos tempos de hoje”, completou o presidente.

 

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