À medida que a noite cai, as margens da rodovia BR-163, um dos principais corredores de transporte de Mato Grosso do Sul, revelam um lado obscuro. Ali, em meio ao movimento constante de caminhões e veículos, a exploração sexual infantil se torna uma realidade silenciosa, praticada à vista de todos.
Dados do projeto Mapear elaborados pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em parceria com a organização internacional Childhood Brasil revelam a gravidade da situação. A pesquisa, mapeou 1.569 pontos vulneráveis e identificou as áreas mais sensíveis à exploração sexual de crianças e adolescentes no Estado.
Em Mato Grosso do Sul, postos de combustíveis, a cidade de Campo Grande e a BR-163 foram identificados como as áreas mais críticas para a exploração sexual. As estatísticas incluem estabelecimentos comerciais, bares, hotéis e motéis.
O Projeto Mapear classificou os pontos de risco em quatro níveis: baixo, médio, alto e crítico. E estabeleceu as seguintes categorias: natureza econômica, município e rodovia.
Assim, a pesquisa identificou 55 pontos críticos, 321 de alto risco, 527 de risco médio e 666 de baixo risco em Mato Grosso do Sul. Em sua 10ª edição, o levantamento mapeou 17.687 pontos vulneráveis nas rodovias federais de todo o Brasil. Esse número representa um aumento de 83,2% em comparação ao biênio anterior, quando houve o registrado de 9.653 pontos.
Rodovia da morte e da exploração
A BR-163, que atravessa o Estado de norte a sul, revela um cenário preocupante, concentrando a maioria dos pontos de vulnerabilidade, com 440 no total, dos quais seis são classificados como de alto risco para a exploração sexual. Conhecida como a rodovia da morte, pelo alto índice de acidentes, a BR-163 passa por cidades como Coxim, São Gabriel do Oeste e Campo Grande.
Em seguida, aparece a BR-262, com 162 pontos vulneráveis, incluindo quatro pontos críticos, 28 de alto risco e 44 de risco médio.
Embora ocupe a terceira posição em número total de pontos, a BR-267 apresenta o maior número de locais críticos para a exploração sexual, tendo sete locais identificados pela PRF. Com 1.922 quilômetros de extensão, a rodovia inicia em Leopoldina, Minas Gerais, no entroncamento com a BR-116, atravessa São Paulo e se estende até Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul, na fronteira com o Paraguai.
Na sequência ainda aparecem as rodovias BR-060, com 97 pontos vulneráveis; BR-158, com 91 pontos; BR-367, com 67; e a BR-463, com 39 locais identificados como pontos vulneráveis à exploração sexual.
Embora o aumento das estatísticas possa gerar preocupação, a PRF e a Childhood Brasil explicam que os números refletem um esforço concentrado das autoridades em identificar, mapear e atuar preventivamente no combate à exploração sexual nas rodovias.
Postos de combustíveis lideram pontos de exploração
Muitas vezes localizados em áreas isoladas e com pouca vigilância, os postos de combustíveis se tornam locais propensos à violação dos direitos de crianças e adolescentes. Em Mato Grosso do Sul, a PRF identificou 222 pontos vulneráveis em postos de combustíveis. Desses, 19 estão classificados como locais críticos para a exploração sexual.
Em seguida, aparecem os bares, com 193 pontos vulneráveis. Além disso, há duas categorias de estabelecimentos de natureza econômica classificadas como ‘pontos de alimentação’, com 163 e 109 pontos identificados, respectivamente. Essa sequência também abrange os pontos considerados críticos.
As estatísticas abrangem também outros locais de alta circulação, como estabelecimentos comerciais, hotéis, motéis e até mesmo postos policiais e escolas situados às margens das rodovias federais.
Campo Grande concentra 97 locais de vulnerabilidade
Entre os 79 municípios de Mato Grosso do Sul, a Capital, Campo Grande, concentra o maior número de pontos vulneráveis, com 97 locais identificados. Em seguida, aparecem Dourados, com 86 pontos; Caarapó, com 51; Itaquiraí, com 49; Nova Alvorada do Sul, com 44; Três Lagoas, com 41; e Coxim, com 40.
Esses pontos vulneráveis são definidos com base em características que indicam alto risco para exploração sexual, e não pela ocorrência efetiva de crimes. A fim de preservar a segurança das operações e evitar exposição dos locais, a localização exata desses pontos é mantida sob sigilo pelas autoridades policiais.
Em 2023, a PRF realizou três grandes operações nesses locais vulneráveis em horários variados, visando flagrar atividades irregulares e combater crimes de exploração sexual. Essas operações resultaram em 11 flagrantes de exploração sexual e na detenção de 102 pessoas.
Além disso, a PRF resgatou 138 menores em situação de vulnerabilidade. Esses resgates ocorreram em casos que incluíam trabalho infantil, presença de menores desacompanhados de adultos ou em locais onde havia consumo de bebidas alcoólicas.
Denuncie
A exploração sexual caracteriza-se pelo uso de crianças e adolescentes para fins sexuais visando o lucro, seja no contexto da prostituição, no compartilhamento de conteúdo e imagens de abuso, nas redes de tráfico, no turismo com motivação sexual. Já o estupro de vulnerável ocorre quando há conjunção carnal ou outro ato libidinoso praticado com um menor de 14 anos, com uma pessoa com deficiência que não tem discernimento para a prática sexual ou com uma pessoa que, por qualquer motivo, não possa ter reação ao ato.
Em 2023, o Disque 100 somou mais de 60,7 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes por meio de 31,2 mil denúncias. Os dados indicaram, a cada 24h, mais de 166 violações; sete violações a cada hora; uma violação a cada 8 minutos.
Para o estupro de vulnerável, a pena é de 8 a 15 anos, sendo aumentada no caso de lesão corporal grave, de 10 a 20 anos; no caso de morte. Além disso, conforme o Código Penal (artigos nº 228 e 229), considera-se crime o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa. Também é crime manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual.
Disque 100
Para casos de violações de direitos humanos, o Disque 100 é um dos meios mais conhecidos. O canal registra denúncias de forma anônima 24h por dia.