A Americanas anunciou nesta quinta (19) que entrou oficialmente com um pedido de recuperação judicial. O total da dívida listada nos documentos protocolados é de aproximadamente R$ 43 bilhões. A petição foi enviada à 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.
Pela manhã, a empresa já havia publicado um comunicado ao mercado dizendo que a recuperação judicial poderia ser solicitada “nos próximos dias ou nas próximas horas”, uma vez que tinha apenas R$ 800 milhões em caixa.
No texto, a Americanas afirma que “seguirá operando normalmente dentro das novas regras da recuperação judicial, cujo um dos objetivos principais é a própria manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores e credores e investidores de forma geral”.
A varejista afirma ainda que o grupo de acionistas de referência da empresa informou ao seu conselho de administração que “pretende manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as lojas, do seu canal digital, Americanas.com, da AME e suas coligadas”.
A falta de uma capitalização robusta por parte dos acionistas de referência –os antigos controladores da Americanas, o trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, fundadores do 3G Capital–, a fim de salvar a empresa, foi a grande queixa dos credores junto à varejista, em todo o período de negociação que antecedeu o pedido de recuperação judicial.
No comunicado divulgado na manhã de hoje, quando a Americanas indicou que estava prestes a aderir à recuperação judicial, a empresa reclamou da atitude do banco BTG Pactual, que nesta quarta-feira (18) conseguiu um mandado de segurança na Justiça para bloquear R$ 1,2 bilhão na conta da empresa junto à instituição financeira, como forma de se precaver de um possível calote.
Também o Bradesco reteve mais de R$ 450 milhões, segundo a própria Americanas. O Itaú é outra instituição que entrou com petição nesta quinta-feira para que a varejista só saque seu dinheiro da conta do banco após detalhar o destino dos valores à Justiça.
No comunicado em que divulga sua adesão à recuperação judicial, a Americanas afirma que “manterá seu esforço na busca por uma solução com os seus credores”.
VEJA A CRONOLOGIA DO ESCÂNDALO CONTÁBIL
O pedido de recuperação judicial acontece oito dias após o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, assinar um fato relevante, no último da 11, em que revelava a existência de R$ 20 bilhões em “inconsistência contábeis” no balanço da varejista, verificados até o terceiro trimestre do ano passado.
Os resultados financeiros da companhia referentes ao ano de 2022 estavam previstos para serem divulgados no próximo dia 29 de março.
Os R$ 20 bilhões estão relacionados à operação de “risco-sacado”, ou “forfait”, em que a companhia contrata instituições financeiras para fazerem o pagamento adiantado de fornecedores.
A varejista assume a obrigação de pagar o banco, com juros, dentro do prazo combinado com fornecedores. Esse prazo, segundo apurou a Folha, sempre foi muito mais estendido do que a média do varejo: 180 dias, ante 90 do habitual.
De acordo com fontes do mercado, a Americanas não incluía na sua contabilidade os juros dessa operação que deveria pagar aos bancos, o que tornava os seus resultados melhores do que realmente eram o que, consequentemente, beneficiava o valor das suas ações.
Junto com o anúncio do escândalo contábil, Sergio Rial informou que estava deixando a presidência da companhia, assim como o ex-diretor de relações com investidores da empresa, André Covre, para se tornar conselheiro dos acionistas de referência (Lemann, Sicupira e Telles) que, até o final de 2021, eram os controladores da empresa.
João Guerra, ex-diretor das áreas de tecnologia e recursos humanos da varejista, assumiu o comando da Americanas interinamente.
Rial deu início à negociação com os bancos, que se indignaram com os indícios de fraude nos balanços. Temendo que seu crédito ficasse retido com as instituições financeiras, a Americanas entrou na sexta, 13, com um pedido de tutela de urgência cautelar junto à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
Com isso, a empresa conseguiu impedir, pelo menos temporariamente, que seus ativos fossem bloqueados a pedido de credores.
A medida irritou em especial o BTG, que entrou com uma petição na Justiça para derrubar a liminar, chamando o trio dos principais acionistas de “fraudadores que dão ‘uma de maluco’”.
Segundo o banco, a Americanas adota uma “narrativa canhestra e disléxica”, que “distorce por completo os limites e a finalidade do instituto da recuperação judicial, conferindo proteção legal, inclusive em caráter antecipado, a alguém que se tornou insolvente sponte propria [por vontade própria] por ter fraudado o mercado de crédito e o mercado de ações.”
Para evitar o desgaste de Rial —um ex-banqueiro, que comandou o Santander Brasil e se mantém como presidente do conselho de administração do banco—, e impedir conflitos de interesse, uma vez que o Santander é um dos credores da varejista, a Americanas chamou o banco Rothschild como interlocutor oficial para a renegociação da sua dívida local e internacional.
As conversas não evoluíram. Além de BTG, Bradesco e Itaú, outros bancos entraram na Justiça na tentativa de receber os valores devidos ou ter algum controle sobre os passos da Americanas.
Sem caixa, sem crédito na praça, a empresa decidiu, finalmente, fazer o pedido de recuperação judicial.
LEIA A ÍNTEGRA DO FATO RELEVANTE, ASSINADO PELO PRESIDENTE INTERINO DA AMERICANAS, JOÃO GUERRA:
“Americanas S.A. (“Americanas” ou “Companhia”), em atendimento ao disposto na Resolução CVM nº 44, de 23 de agosto de 2021, em continuidade aos Fatos Relevantes de 11, 13 e 19 de janeiro de 2023, vem informar aos seus acionistas e ao mercado em geral que ajuizou, nesta data, em conjunto com suas subsidiárias ST Importações Ltda, JSM Global S.Á.R.L. e B2W Digital Lux S.Á.R.L. (“Grupo Americanas”), pedido de recuperação judicial do Grupo Americanas perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, nos termos da Lei nº 11.101/05.
A despeito dos esforços e das medidas que a administração vem tomando nos últimos dias, em conjunto com seus assessores financeiros e legais, para proteger a Companhia dos efeitos decorrentes da descoberta de financiamentos de compras da dimensão de R$ 20 bilhões não adequadamente refletidos nas demonstrações financeiras de 30/09/2022, considerando:
(i) os desafios da Companhia na interface com credores e fornecedores desde a ocorrência de tais fatos;
(ii) as necessidade de atendimento, de forma adequada e organizada, dos interesses de seus credores, acionistas e stakeholders;
(iii) que, na presente data, a posição de caixa disponível à Companhia reduziu-se sobremaneira; e, ainda,
(iv) a necessidade de preservação da continuidade da oferta de serviços de qualidade a seus clientes, dentro dos compromissos assumidos pela Companhia e da manutenção da continuidade de seu negócio e sua função social;
Os membros do Conselho de Administração da Companhia deliberaram, por unanimidade, aprovar, em caráter de urgência, a apresentação do pedido de recuperação judicial da Companhia, perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Tutela de Urgência Cautelar em Caráter Antecedente Preparatória de Processo Recuperacional ajuizada em 12 de janeiro de 2023, ad referendum da Assembleia Geral de acionistas da Companhia, na forma do parágrafo único do artigo 122 da Lei nº 6.404/76 e da Lei nº 11.101/05 e demais disposições legais aplicáveis.
O total dos créditos listados nos documentos protocolados com o pedido de recuperação judicial soma, nesta data, aproximadamente R$ 43 bilhões.
A administração da Companhia pretende tomar as providências e adotar os atos necessários à efetivação do pedido de recuperação, em todas as jurisdições nas quais tais medidas sejam necessárias.
A Companhia continuará envidando esforços para prestar um serviço amplo à população, com um compromisso social forte de levar produtos acessíveis aos seus 53 milhões de clientes.
Para tanto, o grupo de acionistas de referência da empresa informou ao Presidente do Conselho de
Administração que pretendem manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as lojas, do seu canal digital, –americanas.com– , da Ame e suas demais coligadas.
A Companhia manterá seu esforço na busca por uma solução com os seus credores, para manter seu compromisso como geradora de milhares de empregos diretos e indiretos, amplo impacto social, fonte produtora e de estímulo à atividade econômica, além de ser uma relevante pagadora de tributos.
O pedido de recuperação judicial será submetido à ratificação da Assembleia Geral da Companhia, a ser oportunamente convocada. Os documentos exigidos pela Lei nº 6.404/76 e pelas normas da CVM aplicáveis relacionados à matéria objeto deste Fato Relevante, inclusive a petição pela qual foi formulado o pedido de recuperação judicial, encontram-se à disposição dos acionistas no website da Companhia (https://ri.americanas.io/).
Cópia desse material também está disponível no Sistema Empresas.NET da CVM (https://www.gov.br/cvm/pt-br), além do website da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (https://www.b3.com.br/pt_br/).
A Companhia reafirma a confiança que tem em sua capacidade operacional e comercial para que seja bem-sucedida na proposição e aprovação de um plano de recuperação que permita ganho de valor para a Companhia e seus stakeholders e mantenha o alto nível de experiência de seus consumidores e parceiros.
A Companhia manterá seus acionistas e o mercado em geral atualizados acerca dos assuntos objeto do presente Fato Relevante.”
Fonte: Correio do Estado