Batayporã pode sumir do mapa? Entenda a situação da cidade onde 90% da população vive em áreas de risco

O avanço de eventos climáticos extremos no Brasil acendeu um alerta sobre a vulnerabilidade dos pequenos municípios espalhados pelo país. Em Mato Grosso do Sul, a cidade de Batayporã, que abriga pouco mais de 10 mil habitantes, está entre os casos mais críticos do Estado. É o que aponta a nota técnica “Atualização dos critérios e indicadores para a identificação dos municípios mais suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, enxurradas e inundações” do Governo Federal, publicada em 2024.

Conforme o levantamento, 10 mil dos 10.712 moradores vivem em áreas suscetíveis a enxurradas e alagamentos. Na prática, um evento climático severo tem potencial para afetar até 93,35% da cidade. Apesar disso, a prefeitura afirma que o cenário atual é outro.

A situação ganhou maior relevância após o tornado que devastou a cidade de Rio Bonito do Iguaçu (PR), no início de novembro. O desastre deixou seis mortos, centenas de feridos e 90% da área urbana destruída. Embora não haja previsão de tornados em Mato Grosso do Sul, o cenário atual reforça a urgência de prevenção e adaptação em regiões reconhecidas como vulneráveis.

Por que Batayporã está tão exposta?

O relatório federal inclui Batayporã entre os 29 municípios sul-mato-grossenses suscetíveis a enchentes e enxurradas. Isso porque a ocupação urbana no município surgiu historicamente em áreas próximas a cursos d’água, especialmente ao redor da Lagoa do Sapo, zona que há mais de 40 anos registra alagamentos recorrentes.

A cidade também está dentro da área de influência da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta (Cesp/Auren Energia), no Rio Paraná, o que exige monitoramento permanente e integração aos PAE (Planos de Ação de Emergência) da usina.

Prefeitura confirma risco, mas diz que obra reduziu 90% do problema

Questionado sobre o risco de um potencial desastre, o prefeito de Batayporã, Germino Roz (PSDB), esclarece que a Prefeitura reconhece a classificação federal, mas afirma que o cenário mudou significativamente após a obra de drenagem da Lagoa do Sapo, em execução desde 2024. “A obra é considerada a maior intervenção de infraestrutura hídrica da história da cidade”.

Coordenador da Defesa Civil Municipal, sargento Gilberto Batista dos Santos, explica que cerca de 90% do problema histórico já está resolvido. A comprovação, segundo ele, veio na última segunda-feira (17), quando a cidade registrou quase 100 mm de chuva em poucas horas, volume que antes provocaria alagamentos imediatos.

“Em anos anteriores, naturalmente resultaria em transbordamento da Lagoa do Sapo e alagamentos no entorno. Porém, não houve qualquer alagamento, evidenciando que a infraestrutura implantada já está produzindo resultados concretos”, explica.

Diante disso, a gestão afirma que a projeção atual é que não haverá necessidade de reassentamento de famílias, pois a área deixou de apresentar o comportamento crítico que motivava preocupação no passado.

Histórico de alagamentos

Lagoa do Sapo. (Prefeitura de Batayporã)

A Lagoa do Sapo é conhecida por ser um local alvo de alagamentos e enchentes há pelo menos 40 anos.

Em 2022, a cidade registrou 120 milímetros de chuva e pelo menos 50 casas foram atingidas pela água da Lagoa do Sapo. No entanto, a prefeitura explica que o local passou por diversas intervenções ao longo do ano.

Linha do tempo

  • 2021: início da gestão, limpeza e ampliação de valetas; escavação total da lagoa com a retirada de lama para aumento da profundidade.
  • 2022: transbordamento e decreto de emergência; prefeitura se comprometeu a ressarcir as famílias prejudicadas, comprando móveis e eletrodomésticos. Licitação para projeto executivo, empresa Schettini Engenharia Ltda. venceu a licitação, com uma proposta de R$ 666.633,52, utilizando recursos próprios da prefeitura.
  • 2023: articulação política para recursos; lançamento de licitação de R$ 20,7 milhões pelo Governo do Estado.
  • 2024: homologação da obra (empresa KM Engenharia); início da construção da lagoa de amortização de 28 mil m². Com isso, a lagoa funcionará como um reservatório temporário para gerenciar e controlar a vazão de águas pluviais.
  • 2025: obra em fase final, com inauguração prevista para dezembro.

Os detalhes técnicos da obra incluem: 2,1 km de galerias pluviais com tubulação de 1,50 m de diâmetro; profundidade entre 2,50 m e 5,85 m; 34 poços de visita; lagoa de amortização com 46 mil m³ de capacidade e intervenção nas ruas Luiz Antonio da Silva, José Adelino da Rocha, Júlio Saldanha Rosa e Av. Antonia Spinosa Mustafá.

Além disso, a bacia de amortecimento funciona como um reservatório temporário que retém grandes volumes de chuva e reduz a pressão sobre a Lagoa do Sapo.

Planos de prevenção e resposta

O município afirma seguir protocolos constantes de prevenção, incluindo:

  • Monitoramento das áreas de risco;
  • Acionamento emergencial em caso de previsão de enxurradas;
  • Orientações preventivas às famílias vulneráveis;
  • Integração às equipes estaduais, federais e à Cesp.

A cidade também participa dos simulados de evacuação previstos no PAE da UHE Porto Primavera. Em 2023, um exercício conjunto com Defesa Civil e Cesp obteve adesão total das comunidades na área de influência da usina.

Como a população tem sido orientada?

Batayporã pagará 13º salário para prefeito, vice e vereadores a partir de 2029 (PMB, Divulgação)
Batayporã. (PMB, Divulgação

Em situações de risco, moradores das áreas vulneráveis recebem visitas, vistorias e avisos meteorológicos. Nos casos de emergência, a prefeitura afirma que oferece suporte imediato — inclusive reposição de móveis e eletrodomésticos, como ocorreu em enchentes anteriores à obra.

O trabalho inclui:

  • Visitas, vistorias e orientações antes e durante o período de chuvas;
  • Monitoramento meteorológico e avisos em caso de risco iminente;
  • Ações de retirada voluntária quando necessário;
  • Suporte imediato, inclusive com reposição de móveis e bens essenciais.

“Com o avanço da obra da Lagoa do Sapo, a Defesa Civil avalia que não há necessidade de reassentamento, pois a infraestrutura praticamente eliminou o risco que gerava preocupação histórica”, diz a prefeitura.

Em MS, 25 mil pessoas vivem em áreas de risco

Em todo Mato Grosso do Sul, 29 municípios estão em áreas classificadas como suscetíveis a enxurradas, inundações e deslizamentos, cenário que tem se agravado nos últimos anos devido às mudanças climáticas. A nota técnica federal mostra que 25.092 pessoas vivem em áreas com risco hidrológico ou geológico no Estado.

Além de Batayporã, outros municípios apresentam populações expressivas em áreas de risco: Aquidauana (2.650 pessoas), Coxim (1.740), Ponta Porã (1.710), Miranda (1.606), Corumbá (1.429) e Três Lagoas (1.478). Em Campo Grande, o levantamento aponta que 1.232 moradores vivem em locais suscetíveis a extremos climáticos.

Consequência das mudanças climáticas

Seca no Pantanal. (Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)
Para o ambientalista Alcides Faria, diretor da ONG Ecoa, os efeitos das mudanças climáticas já são evidentes em Mato Grosso do Sul. Ele afirma que não só Batayporã, mas praticamente todo o território do Estado está vulnerável. Isso porque houve uma redução da vegetação nativa do Cerrado e do Pantanal ao longo das últimas décadas.

 

 

“Com a retirada da vegetação, as águas escoam mais rapidamente durante as chuvas, sem infiltrar no solo. Isso arrasta sedimentos e pode causar cheias repentinas. O Estado já vive eventos extremos com mais frequência, como as secas severas no Pantanal em 2020 e 2024”, destacou.

A variação climática global também altera a intensidade de fenômenos como El Niño e La Niña, tornando as chuvas mais irregulares. Conforme Alcides, pesquisas indicam que períodos de transição entre esses dois fenômenos podem reduzir drasticamente as chuvas na bacia do Rio Paraguai e afetar diretamente o Pantanal.

Ainda temos tempo?

Para reduzir os impactos dos extremos climáticos, Alcides defende ações estruturadas, com fortalecimento das Defesas Civis municipais e planejamento urbano adaptado.

“Eu começaria pelas cidades. Arborização, drenagem adequada, cuidado com áreas de encosta e fundos de vale. No último temporal em Campo Grande, mais de 80 árvores caíram”, comentou.

Além disso, especialistas apontam que eventos climáticos extremos tendem a se tornar mais frequentes e intensos no Estado. Por isso, o ambientalista reforça que o desafio para Mato Grosso do Sul é avançar na prevenção, adaptação urbana e recuperação de áreas degradadas, antes que novos desastres se repitam.

“Precisamos de planos específicos que contenham como ponto de partida a formação de um sistema de defesa civil forte, município a município, de acordo com características particulares de cada um deles”, defendeu.

 

Fonte: Jornal Midiamax

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