O caminho dos vencedores da eleição presidencial para viabilizar o que o líder do PT no Senado, Paulo Rocha, classifica como “a alma do início do governo” está sendo mais complicado do que o esperado, pois o atual Congresso tem jogado duro.
Apesar de haver consenso sobre a necessidade de aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e garantir a continuidade do pagamento de R$ 600 para os beneficiários do Auxílio Brasil, os parlamentares não querem dar ao futuro governo federal um espaço fiscal maior para gastar nem aceitam retirar o programa social da regra do teto de gastos por tempo indeterminado, como propôs inicialmente o PT.
O período de vigência dessa espécie de licença para gastar com o auxílio, que voltará a se chamar Bolsa Família, tornou-se o principal impasse em relação à PEC.
Mesmo com os esforços feitos pelos aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, ainda há divergências que travam um consenso para que as Casas do Legislativo aprovem o texto final. Parlamentares, mesmo que não estejam na oposição, alegam que o documento, sem prazo definido ou valor menor do que está, pode ser um “cheque em branco” para o novo governo.
A minuta da proposta amplia para fora do teto de gastos cerca de R$ 200 bilhões. Senadores e deputados da oposição alegam cerca de R$ 100 bilhões já seriam suficientes para cumprir as promessas de campanha feitas por Lula.
Além disso, os congressistas avaliam que um prazo de quatro anos na PEC, como sugere o texto, faria com que Lula não tivesse “necessidade” de negociar com o Parlamento durante sua gestão no Planalto. E os parlamentares não querem esse cenário, pois, em troca desse apoio no Congresso, pretendem exigir espaço no próximo governo.
Congressistas ainda reclamam que a equipe de transição não tem um nome que possa fazer negociações políticas já visando o futuro governo. Assim como já ocorre com as cobranças pelo anúncio de um ministro ou ministra da Fazenda para acalmar o mercado, os petistas passaram a ser pressionados por um nome com poder para honrar compromissos políticos.
Lula, porém, tem resistido a apressar nomes e nem sequer participa ativamente das negociações neste momento crítico, pois adiou sua volta a Brasília após passar por uma pequena cirurgia e deve passar o resto da semana de repouso em São Paulo, atuando apenas nos bastidores.
Por causa das dificuldades de articulação, a versão final da PEC tem sido adiada constantemente e já há um crescente nervosismo entre os aliados do futuro governo.
Diante do impasse, outras alternativas também surgiram, mas também não avançaram por enquanto. Novas duas PECs, com menos espaço para gastos, foram apresentadas no Senado desde a entrega da minuta feita pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin: uma, pelo senador Alessandro Vieira; outra, pelo senador Tasso Jereissati, ambos do PSDB.
Pensando novo próximo Congresso
Embora a demora na articulação provoque nervosismo, segundo o cientista político Francisco Fonseca, pesquisador e professor na Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, o PT mostra força ao não ceder às pressões para nomear logo os ministros e já pensa na formação da base para o próximo ano.
“Lula e seus aliados já demonstraram que o combate à fome será uma prioridade e não abriram mão disso, apesar de todo o nervosismo do mercado. Isso é uma sinalização forte para o Congresso, que faz seu papel tensionando, mas vai acabar aprovando uma versão da PEC. O PT ainda tenta viabilizar uma validade de quatro anos para o Bolsa Família, o que seria uma vitória na atual conjuntura, mas ainda não é possível saber se é viável”, afirma o cientista político, em entrevista.
Os partidos do Centrão, na avaliação de Fonseca, já iniciam um jogo duro na negociação da PEC, visando ampliar espaços no governo que começa no ano que vem. “E eles são pragmáticos, em sua maioria. Os bolsonaristas ideológicos, que com certeza vão se manter na oposição, não são muitos”, analisa o professor. “O que me parece é que Lula está remontando o que foi sua base de 2003, que tinha Centrão, tinha Valdemar Costa Neto [presidente do PL]… Me parece que Lula voltará a montar um governo de conciliação”, completa ele.
Para Fonseca, Lula terá base, mas isso lhe custará bastante em divisão do poder. “A esquerda sozinha tem cerca de 150 deputados eleitos, não dá para nada. Serão necessários 250 só para ter base para barrar os inevitáveis pedidos de impeachment e 308, só na Câmara, para aprovar PECs. Então, será preciso dividir poder, e isso indica que não devemos esperar grandes transformações nesse governo. Deverá ser um governo moderado, mais de centro, até mais moderado do que os dois primeiros governos Lula”, conclui.
Fonte: Metrópoles