Em Mato Grosso do Sul, o gasto médio com um preso é de R$ 2 mil por mês, de acordo com a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen). Esse valor é três vezes maior que o custo médio mensal de um aluno com a carga horária de meio período da Rede Estadual de Ensino (REE).
Para se ter uma ideia, os repasses anuais para custear um aluno da rede estadual variam de R$ 8 mil para um estudante matriculado em uma turma de ensino parcial (que fica por meio período na escola), o equivalente a R$ 666,00 por mês, já para quem permanece na instituição de ensino em tempo integral, o custo é de R$ 11 mil por ano, conforme a Secretaria de Estado de Educação (SED).
Ao Correio do Estado, o defensor público Thales Chalub explicou que a desproporção entre o custo com pessoas privadas de liberdade e com um estudante revela que o poder público tem falhado gravemente ao remediar a consequência em vez de se debruçar sobre as causas de muitas mazelas.
“O pior é que o custo com a manutenção das pessoas privadas de liberdade nem sequer pode ser considerado eficiente quando se analisa a dimensão qualitativa dos serviços prestados aos presos”, afirmou Chalub.
Conforme o defensor público, olhar apenas para os custos financeiros, deixando de lado a qualidade das políticas e serviços disponíveis, pode acarretar conclusões distorcidas sobre a efetividade das políticas prisionais.
Para o mestre e doutorando em Direito Penal, advogado criminalista e Secretário-Geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS), Luiz Renê Gonçalves do Amaral, é simplista o raciocínio de que um preso não pode custar ao Estado mais que um estudante, “embora, de fato, no Brasil, a pessoa encarcerada custe muito e o ensino público necessite de maiores investimentos”, reiterou.
De acordo com dados da Agepen, considerando o levantamento mais atual realizado no mês de novembro de 2022, Mato Grosso do Sul possui 20,3 mil apenados. Desses, 12,6 mil já foram condenados.
Em unidades penitenciárias federais de MS, 95 pessoas permanecem cumprindo a pena em regime fechado, um em tratamento ambulatorial e seis em regime provisório, segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
BAIXA ESCOLARIDADE
Não é segredo que a maior parcela da população carcerária brasileira é composta de pessoas com baixo grau de escolaridade.
De acordo com levantamento divulgado pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul sobre esse recorte específico (março a agosto de 2021), extraído das audiências de custódia realizadas no fórum da Capital, foi possível verificar que 79% das pessoas custodiadas não tinham concluído a Educação Básica.
O defensor público Thales Chalub reiterou que foi ainda mais espantoso identificar que cerca de 50% das pessoas presas não tinham nem sequer o Ensino Fundamental completo (46,33%) ou simplesmente não haviam estudado (2,80%).
“Isso reflete uma realidade de baixíssima escolaridade entre os custodiados. Assim, parece evidente que o investimento reduzido na Educação Básica reflete, sim, no perfil majoritário das pessoas privadas de liberdade”, destacou Chalub.
Mestre em Sociologia e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Raphael de Almeida Silva explicou ao Correio do Estado que a “desproporcionalidade de investimento em políticas criminais e penais em detrimento de outras políticas sociais, como educação, reflete uma sociedade que favorece a punição ante a prevenção”, disse o pesquisador.
Silva reitera que o encarceramento em massa e a violação de direitos nas prisões deram as bases para o surgimento de coletivos prisionais, como Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
“A defasagem no número de professores e professoras, o descompasso salarial entre concursados e contratados, a superlotação das salas de aula e as precárias condições de ensino são reflexos da desvalorização. Contudo, o fato de as políticas criminais e penais movimentarem mais recursos que a educação não significa que as condições no sistema prisional sejam boas”, reiterou Silva.
O pesquisador destaca que investir em políticas sociais de educação, habitação, saúde e emprego é a forma mais adequada de reversão do quadro de insegurança social.
“Uma política de segurança cidadã deve orientar-se pela unificação às políticas sociais, tendo por objetivo a prevenção de crimes, em vez da punição tardia e ineficaz”, propõe Raphael.
Segundo o secretário de Estado de Educação, Helio Daher, com investimento na educação, haverá, a longo prazo, redução do número de presos no Estado.
“Existe um jargão que diz ‘dinheiro utilizado para educação não é gasto, é investimento’. Desta forma, eu acredito que todo investimento feito agora é traduzido em benefício para a sociedade no futuro, não só na projeção da redução da população carcerária, mas também na recuperação dos privados de liberdade em seu processo de ressocialização”, reiterou o secretário.
PUNIÇÃO
Repensar a necessidade de prisão em determinados crimes é, na visão do defensor público Thales Chalub, uma medida necessária para conter o crescimento vertiginoso da população carcerária.
Ele afirma que, em consequência, seria possível reduzir o gasto público com o sistema penitenciário, permitindo, por exemplo, a ampliação dos investimentos de ordem social, como educação.
“Em âmbito Legislativo, uma das possibilidades seria tornar os delitos de furto, crimes de ação penal privada ou crimes condicionados à representação da vítima, ou seja, caberia à própria vítima manifestar se deseja [ou não] que o suposto autor seja de fato processado. Não são raras as vezes que as vítimas, sensibilizadas pela situação, entendem que o fato não deve ter prosseguimento”, disse.
Chalub destacou que, no âmbito Legislativo, também seria possível disciplinar que crimes de furto de objetos de pequeno valor sejam considerados infrações de menor potencial ofensivo.
“O que, por consequência, faria com que os fatos levados à autoridade policial sejam tratados por meio de Termo Circunstanciado de Ocorrência [e não Auto de Prisão em Flagrante], ensejando que, após lavrada a ocorrência, a pessoa possa ser imediatamente liberada, com o compromisso de comparecer aos autos de eventual futuro processo”, salientou o defensor público.
CENÁRIO NACIONAL
Dados do Depen apontam que Mato Grosso do Sul está em 11º lugar no ranking de maiores despesas mensais com pessoas privadas de liberdade, entre todas as unidades da federação.
Em primeiro lugar, Roraima gasta por mês, em média, R$ 6.546,89 com um detento, na sequência, um preso na Bahia demanda um custo de R$ 3.601,74; no Piauí, os custos são de R$ 3.223,87 por pessoa privada de liberdade, Mato Grosso do Sul aparece com um custo médio mensal por detento estimado em R$ 1.971,60, de acordo com o Depen.