De um lado, os indígenas da etnia Guarani Kaiowá alegam como motivo para o conflito em Amambai (MS) a retomada de uma terra ancestral que faz parte de uma reserva destinada aos povos indígenas. Do outro, militares dizem que foram acionados para “coibir uma invasão”.
O conflito entre indígenas e policiais começou na sexta-feira (24). Ao menos sete indígenas ficaram feridos e dois óbitos foram mencionados pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib). O hospital que recebe os feridos dos confrontos confirma uma morte.
Em nota divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Aty Guasu, assembleia Guarani Kaiowá, disse que o ataque tem sido chamado pelas comunidades de “massacre de Guapoy”, em referência ao nome dado pelos indígenas ao território em disputa.
O coordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul, Matias Benno, disse que os indígenas da etnia Guarani Kaiowá estão na região da fazenda onde ocorre o conflito há alguns dias. Para ele, como representante dos povos originários, a crise tem dois motivos principais.
O primeiro é retomada da terra onde ocorre o conflito. Segundo os indígenas, a área faz parte do território Guapoy, parte da reserva indígena Amambai. Para o Cimi, o território é uma terra ancestral e que pertence exclusivamente aos indígenas.
Benno explica que a reserva indígena é antiga. “Ao longo do tempo, as terras que eram dos indígenas por direito foram subtraídas e colocadas em mãos de fazendeiros. São menos hectares do que é de direito [dos indígenas]. O local não é uma demarcação, mas sim uma reserva, local para onde os indígenas foram levados”, detalhou o representante do Cimi.
“O estado deu título dessas áreas para os fazendeiros. Assim, foram subtraídos vários hectares dos indígenas. As terras ancestrais foram para os fazendeiros”, comenta Benno.
O segundo motivo, de acordo com Benno, é uma manifestação em retaliação à morte de Alex Recarte Vasques Lopes, de 18 anos. O jovem guarani kaiowá foi assassinado em uma fazenda em Coronel Sapucaia em maio deste ano.
Na época, a Polícia Federal chegou a enviar equipes ao local do crime para investigar o crime. A PF apurava se a morte do indígena tinha relação com disputas territoriais locais ou ainda se tinha a intenção de atingir a comunidade indígena como um todo.
“O próprio estado hoje é causador da violência contra nosso povo. Queremos que o estado faça seu trabalho de salvaguardar os direitos da comunidade indígena e que cesse essa perseguição, essas mortes contra o nosso povo”, afirmou o historiador guarani kaiowá, Natanael Vilharva Cáceres.
Em uma carta aberta, a assembleia dos indígenas Guarani Kaiowá diz que os confrontos de sexta-feira foram uma “ação covarde da PM e do Estado do Mato Grosso do Sul contra a comunidade e território de Guapoy”.
“Foram atacados crianças, jovens, idosos, famílias que decidiram, depois de muito esperar sem alcançar seu direito, retomar um território que sempre foi deles e que foi roubado no passado de nosso povo”, afirmam os indígenas a carta.
Polícia diz que área foi invadida
Segundo o secretário de Justiça e Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, o conflito se iniciou porque quando indígenas atacaram policiais militares que foram acionados para “coibir uma invasão”.
“A Polícia Militar foi atender uma ocorrência grave de crime contra o patrimônio com risco de morte eminente, tanto que nossos policiais foram recebidos a tiros. Nós vamos manter o reforço em toda aquela região para evitar novos confrontos”, explicou o secretário.
O secretário comentou que a Polícia Militar foi acionada para conter o que seria uma invasão “para garantir a segurança daqueles que estavam nas residências”. Videira alegou que a ida do Batalhão de Choque foi “necessária”.
“Quando o Batalhão de Choque chegou, ele foi recebido a tiros. Três policiais foram atingidos”. Até o momento, policiais ainda estão na região de confronto. Videira disse que “a situação do local está controlada”. Helicópteros militares sobrevoaram o local.
Entenda o caso
De acordo com a polícia, a propriedade rural foi ocupada pelos indígenas Guarani Kaiowá ainda na quinta-feira (23). Na sexta-feira (24), equipes do Batalhão de Choque foram enviadas à cidade. Durante o dia foram registradas dois conflitos, um no início do dia e outro à tarde.
Uma testemunha ouvida pela reportagem relatou momentos de tensão. Segundo a pessoa, policiais do Batalhão de Choque estão em formação em frente à fazenda e disse que vários drones sobrevoam o local.
A fazenda onde o conflito ocorre pertence ao grupo VT Brasil. A reportagemtentou contato com os proprietários da propriedade rural, mas não obteve retorno.
Para os indígenas, o local onde acontece o conflito faz parte do território Guapoy, uma terra que pertencia aos ancestrais dos povos originários. Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) explica que “Guapoy é parte de um território tradicional que lhes foi roubado – quando houve a subtração de parte da reserva de Amambai”.
Depois da retomada (termo utilizado pelos indígenas), entre quinta e sexta, os policiais foram acionados e alegaram terem ido à propriedade para “coibir o crime contra o patrimônio”.
Feridos e mortos
Três menores de idade, de 12, 14 e 17 anos, estão entre os indígenas feridos no conflito entre policiais em Amambai. A vítima de 12 anos teve lesões por arma de fogo no fígado e está intubada. Todos os menores estão internados em Ponta Porã (MS).
Ao todo, até o momento, 7 indígenas precisaram receber atendimento médico. Uma morte foi confirmada, a de Vito Fernandes, 42 anos. A Apib afirma que houve um segundo óbito.
Outros três indígenas foram encaminhados feridos para o Hospital Regional de Amambai e foram levados para a delegacia de Polícia Civil assim que receberam alta neste sábado (25).
A sétima vítima ferida, uma jovem, de 22 anos, precisou ser encaminhada para o Hospital da Vida, em Dourados. A mulher está com o quadro de saúde estável.
Fonte: G1 MS