Os cortes orçamentários que o governo federal impõe para se adequar ao limite do teto de gastos impactam fortemente a educação pública e os serviços vinculados ao setor, como os hospitais universitários. As áreas ligadas ao Ministério da Educação (MEC) estão entre as mais afetadas.
Esta quarta (7/12) é o quinto dia útil do mês, e não há dinheiro em caixa para pagar bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado, nem cerca de 14 mil médicos residentes, além de despesas básicas, como a conta de luz das universidades públicas. E, segundo a transição para o próximo governo, não há verbas garantidas sequer para comprar livros didáticos para o ano que vem. A situação, descrevem, é “muito dramática”.
A gestão de Jair Bolsonaro (PL) ainda busca uma solução emergencial para cumprir os compromissos de dezembro no Ministério da Educação (e em outros órgãos, do INSS ao Ibama), mas depende de uma flexibilização da regra do teto de gastos (emenda constitucional que limita os gastos do governo), que foi pedida ao Tribunal de Contas da União (TCU). Até o momento, porém, não há essa solução, e um número crescente de serviços públicos enfrenta um apagão orçamentário.
Por outro lado, o governo Bolsonaro pode ser beneficiado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que tramita pelo Congresso Nacional e chega à apreciação do plenário do Senado nesta quarta. A mudança no texto, que é o interesse do futuro governo, abre espaço no orçamento deste ano, estimado em quase R$ 23 bilhões, para pagamento de despesas e das chamadas emendas de relator (que ficaram popularmente conhecidas como orçamento secreto). A matéria é relatada pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG).
Só não se sabe se o valor será aprovado pelo Congresso Nacional, nem se poderá ser usado para o tipo de despesa que a educação tem.
Bolsistas na mão
Responsável pelo pagamento de bolsas de estudo e pesquisa em pós-graduação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) confirmou, no início da noite de terça (6/12), que não tem mais dinheiro para sua manutenção administrativa nem para o pagamento de mais de 200 mil bolsas para mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos.
Os bolsistas que dependem desse benefício para custear seus estudos e, muitas vezes, bancar a vida em outra cidade ou outro país iniciaram uma onda de cobrança nas redes sociais. O calote afeta estudantes como o economista Gilberto José Nogueira Junior, que cursa PhD em uma universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Mais conhecido como Gil do Vigor, um dos mais carismáticos ex-BBBs, o pós-graduando ajuda a dar voz aos milhares de anônimos que enfrentam o mesmo problema:
O tamanho do problema
Para cumprir o teto e gastar apenas o orçamento do ano passado, atualizado pela inflação, o governo federal bloqueou R$ 15,4 bilhões de pastas federais e verbas de emendas. Do Ministério da Educação, foi bloqueado R$ 1,4 bilhão; por esse motivo, o órgão congelou cerca de R$ 350 milhões de universidades – dinheiro que seria destinado a pagar despesas deste mês.
Com isso, universidades federais, como as de Brasília e do Rio de Janeiro, informaram não ter dinheiro para pagar contas básicas, como de energia e água, além do salário de funcionários terceirizados e de contratos de limpeza, segurança patrimonial e de fornecimento de comida para restaurantes universitários.
Além dos bolsistas, os 30 hospitais universitários que existem no país enfrentam a situação mais dramática. Não há dinheiro para pagar fornecedores de insumos médicos, como oxigênio e remédios, nem os salários de cerca de 14 mil médicos residentes.
A residência é a última etapa da formação desses profissionais da saúde. Sob a supervisão de servidores experientes, os médicos formandos trabalham em instituições como o Hospital Universitário de Brasília (HUB), recebendo salários-base de R$ 3 mil.
A falta de dinheiro é um problema generalizado no ensino superior público. De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), todas as universidades federais estão com as contas no vermelho, sem condições de honrar com seus compromissos financeiros.
Sem verba para livros
O apagão orçamentário do MEC tem consequências para além do fim do governo Bolsonaro e se tornou um dos principais focos de preocupação do Gabinete de Transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A situação é muito dramática”, resumiu o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante em entrevista no fim da tarde de terça, em Brasília.
“Além dos bolsistas da Capes e dos médicos residentes, que vão ficar sem receber se nada for feito, há contratos que foram feitos, mas não têm recursos para o pagamento. Isso incluiu problemas que não dá para chegar e resolver no ano que vem, como a compra dos livros didáticos para a educação básica. Não há verba garantida para essa compra”, continuou Mercadante, um dos coordenadores da transição. “Vai gerar uma tragédia educacional se isso não for corrigido rapidamente”, completou ele, sem mostrar muita confiança na capacidade do atual governo de resolver o problema.
O economista José Henrique Paim, integrante do grupo de trabalho (GT) da transição da Educação, disse, na mesma entrevista, que o calote a bolsistas, médicos e fornecedores das universidades gera um efeito cascata para o ano que vem. Fornecedores com contratos assinados não devem necessariamente interromper serviços (como a alimentação em restaurantes universitários), pois devem receber no futuro, mas podem ter de reduzir qualidade e quantidade dos serviços prestados.
“O cenário para o ano que vem é difícil, mas, no momento, o que mais nos preocupa é o fechamento deste ano”, complementou Paim, que disse ainda que o apagão coloca em risco contratos que cuidam de soluções tecnológicas, como a do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), plataforma pela qual os estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se candidatam a vagas no ensino superior.
Sem resposta do governo
A reportagem procurou o Palácio do Planalto e o MEC para questionar sobre a busca de soluções para o apagão orçamentário, mas, até a publicação desta reportagem, não recebeu respostas. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: Metrópoles