Após o enterro do indígena Vitor Fernandes, de 42 anos, nessa segunda-feira (27) depois de 40 horas de velório, indígenas voltaram a ocupar a fazenda palco do conflito em Amambai, a 352 quilômetros de Campo Grande. As lideranças estavam à espera de representantes do MPF (Ministério Público Federal) e agentes da PF (Polícia Federal), mas nenhum integrante dos órgãos apareceu.
Segundo uma das lideranças indígenas, o grupo deve permanecer no local por tempo indeterminado. Ainda conforme informações apuradas pela reportagem, câmeras de segurança instaladas no galpão foram retiradas pelos índios e uma bandeira do Brasil foi colocada no lugar. Durante o velório, os indígenas relataram que estavam dispostos a morrer “pelo guerreiro”, se referindo a Vitor — morto no confronto.
Na fazenda não há representantes dos proprietários da área. Um grupo de seguranças que estava no local deixou a propriedade assim que os indígenas chegaram na fazenda para fazer o enterro de Vitor. O grupo entrou em conflito com equipes da Polícia Militar na última sexta-feira (24).
Durante o confronto, 10 pessoas ficaram feridas, entre elas, três policiais do Batalhão de Choque. Os militares não correm risco de morte. Um indígena atingido pelos disparos está internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de um hospital de Ponta Porã. Outros três indígenas que haviam sido liberados do hospital acabaram presos e levados para a delegacia, no domingo (26).
Pedido de ajuda dos indígenas
Desde o dia 19 de junho, aldeia indígena de Amambai pede apoio para providências na área de retomada, por questões de conflitos internos. Os problemas antecederam a retomada a uma propriedade rural no dia 23 deste mês e conflito com policiais militares, que resultou na morte do indígena Vitor.
Em um primeiro ofício, datado de 19 de junho, o pedido de apoio é sob alegação de que há situações de agressividade e violência na retomada das terras. “Há muitos menores de idade correndo risco de vida, bêbados e muitos aproveitam o conflito e andam com armas brancas e com facão, lanças, fechando as estradas que a comunidade utiliza”, diz trecho do ofício.
Já no dia 23, marco das primeiras invasões na Fazenda Borda da Mata, ofício foi encaminhado para Funai (Fundação Nacional do Índio), MPF e Sejusp. No pedido, foi reforçada a situação de conflito interno na aldeia.
Ainda foi ressaltado que alguns envolvidos na retomada estavam agindo com agressividade e que deram tiros com armas de fogo em direção à sede da fazenda. “As lideranças temem que os fazendeiros ataquem os indígenas e que saia alguém ferido, pois no local está ficando tenso”.
Foi solicitado novamente apoio e tomada de providência para resguardar a vida dos indígenas. “Declaramos que não compactuamos com esse tipo de violência dentro da aldeia”, cita o documento.
PF afirma que confronto é de grupo isolado
A Polícia Federal ao ser procurada para relatar o confronto disse que se tratava de um grupo isolado, e que seria competência do Governo Estadual e não da PF. “O que está em risco não é uma comunidade indígena — esfera de atuação da PF, mas um grupo isolado, com objetivos diferentes dos da comunidade”.
Nota MPF
O MPF divulgou no domingo (26) despacho do procurador da república, Marcelo José da Silva, determinando procedimento preparatório para apurar e acompanhar o conflito entre indígenas da aldeia Amambai e as forças policiais locais, no último dia 24. Em um dos trechos do documento, o procurador relata que atendendo a um pedido dele, o secretário da Sejusp, Antônio Carlos Videira, fez contato telefônico e garantiu que a ação policial não se tratava de uma reintegração de posse.
Conforme o documento, o secretário Videira garantiu ao procurador da República, em suma, “que as forças policiais estaduais foram ao local do confronto para coibir crimes praticados por indígenas que ingressaram na sede da Fazenda Borda da Mata e expulsaram os moradores da casa existente no local à força, além de, segundo ele, haver notícia de que tais indígenas praticavam tráfico de drogas e transitavam com armas de fogo, incomodando outros indígenas, dentre eles o capitão da aldeia Amambai. Por fim, frisou que essa atuação policial não foi motivada por reintegração de posse”.
Seguindo, o procurador da República afirma no documento que recebeu várias notícias de indígenas e reportagens correlatas, dando conta de que as forças policiais estaduais buscavam realizar, sim, uma reintegração de posse, sem o necessário mandado judicial e com rigor excessivo.
“Como se vê, há multiplicidade de versões e alegações acerca de fatos extremamente graves, com indicativo da ocorrência de lesões corporais e até morte(s), sendo, de rigor, portanto, empreender diligências para apurar a verdade real, de forma técnica, isenta, sem ideologias e sem favoritismos (seja em prol de indígenas, seja em prol de forças estatais ou particulares), e prevenir, reprimir e punir possíveis delitos de atribuição/competência federal, bem como se fazer o devido encaminhamento de eventuais crimes de âmbito estadual”, declara o procurador no documento.
Boletim de ocorrência
Um boletim de ocorrência foi registrado no dia 23 deste mês — um dia antes do confronto com morte — por esbulho possessório pela gerente da fazenda onde está narrado que, indígenas invadiram o local, mas com a chegada dos policiais do Choque, os índios teriam ido embora.
Em seguida, após a saída dos militares da propriedade rural, quatro indígenas teriam voltado para a fazenda armados fazendo ameaças e vandalismo no local. Ainda foi relatado que no interior da fazenda havia cerca de 30 indígenas, e que estariam em busca de terras.
Confronto
Para a Polícia Militar, foi solicitado ao Batalhão de Choque um apoio pela 3ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar), com a informação de que indígenas armados teriam rendido os caseiros da fazenda. Sob ameaças, eles teriam obrigado os moradores a saírem da propriedade rural, abandonando todos os pertences.
Durante o confronto na tarde da sexta-feira (24), helicóptero da Casa Civil sobrevoou a região, levando apoio policial. A aeronave foi recebida a tiros, sendo que dois disparos atingiram o helicóptero. Segundo os policiais militares, Vitor Fernandes era um dos indígenas que atirava contra a aeronave.
Filmagens mostravam a fazenda já depredada e com focos de incêndio. Em uma primeira incursão, os militares teriam escutado os rojões, que anunciavam aos indígenas a chegada da polícia ao local. Ainda de acordo com relato dos militares, eles viram os indígenas e teriam sido surpreendidos com gritos e objetos arremessados.
Os policiais então agiram com gás lacrimogêneo, dispersando o grupo. Depois, encontraram uma barricada, feita com árvores e troncos cortados. “Equipe foi surpreendida com uma sequência de disparos de arma de fogo, além de armas artesanais, pedras, paus e flechas”, diz o registro.
Os disparos atingiram as pernas dos três policiais militares do Choque, que foram socorridos e encaminhados ao hospital. Os militares então atiraram, segundo eles disparos de munições de elastômero, além do gás lacrimogêneo.
Indígenas feridos também foram encaminhados ao hospital, já sob escolta. Segundo os militares, uma mulher chegou a apontar a arma para eles, que revidaram. Ela correu e teria abandonado a arma de fogo, que foi encontrada posteriormente durante o trabalho da Perícia na fazenda.
Fonte: Jornal Midiamax