Mulheres da periferia são principais alvos de feminicídio em Campo Grande, aponta estudo

Mato Grosso do Sul é um dos Estados brasileiros onde se registram maiores índices de feminicídio. Vale ressaltar, ainda, que o assassinato de mulheres no âmbito domiciliar é apenas o estopim de anos de agressões. Apesar desses casos não possuírem distinções, pesquisa da Cufa (Central Única das Favelas) de Campo Grande aponta que mulheres residentes em bairros periféricos da Capital são as que mais sofrem violência doméstica e, consequentemente, principais vítimas do feminicídio.

Pesquisa realizada entre a Cufa e o Instituto Sou da Paz fez mapeamento da cidade com base nos dados da Sejusp (Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul) no período de janeiro de 2021 a abril de 2022, quando foram registrados 9.011 boletins de ocorrência de violência de gênero em Campo Grande.

Conforme ‘Mapa do Feminicídio em Campo Grande’, criado pela instituição, os 19 bairros onde ocorreram os feminicídios tentados e consumados, quando há óbito, estão localizados em regiões periféricas da cidade.

Dos 9.011 boletins de ocorrência, o estudo considerou os 8.588 de registrados na CMB (Casa da Mulher Brasileira), e de onde foram extraídos 26 casos de feminicídio na forma tentada, circunstância em que a mulher consegue sobreviver, e 3 feminicídios consumados, quando ocorre o óbito.

(Foto: Divulgação Cufa Campo Grande)

Durante levantamento, a Cufa e o Instituto Sou da Paz notaram que os casos estão concentrados em bairros considerados marginalizados, como Nova Lima, Moreninha III, Jardim Imá, Jardim Los Angeles, dentre outros. Conforme mapa, feminicídios na forma tentada ocorreram nas regiões do Segredo, Prosa, Bandeira, Anhanduizinho, Lagoa e Imbirussu. Já os feminicídios consumados foram no Anhanduizinho e Imbirussu. O Centro não teve registros.

“Essa pesquisa nos permite visualizar as mulheres escondidas por trás das estatísticas, dos números, dos fatos narrados nos boletins de ocorrência e de todo um sistema que perpetua a desigualdade, a exclusão e a violência de gênero. Nos possibilite confirmar que em Campo Grande os feminicídios – tentados e consumados – têm perfil e endereço: mulheres moradoras de bairros em que o acesso à creche, praças, saúde, emprego, dentre outras questões sociais importantes, são limitados”, analisa a psicóloga da Cufa, Tatiana Samper.

Feminicídios acontecem em casa e à noite

Dos 26 casos de tentativa de feminicídio, 15 foram na residência das próprias vítimas, 7 em via urbana, 2 em motéis, 1 em salão de festa e 1 em acampamento Sem Terra (zona rural). Enquanto isso, todos os óbitos ocorreram nas casas das vítimas.

Ainda segundo a Cufa, 11 mulheres sofreram feminicídio tentado no período da noite, 9 pela madrugada, 6 durante a tarde e 1 no período da manhã. Já nos casos de feminicídio consumado, todas as mulheres foram assassinadas à noite, entre 19h20 e 23h30.

Os casos variaram nos dias da semana, com registros no sábado (7), domingo (6) e quinta-feira (5), entre as mulheres vítimas de feminicídio tentado. Nos três feminicídios consumados, dois casos foram registrados durante uma terça-feira.

“É de conhecimento que há mais casos nos fins de semana e feriados, mas essa avaliação nos deixa, infelizmente, a impressão de casos de violência em toda semana. Por exemplo, há 4 registros de quinta-feira e 3 aparecerem na segunda-feira. Não achamos a diferença tão discrepante, como acreditávamos. O que é mais um alerta”, comenta Letícia Polidorio, coordenadora da Cufa.

Violência doméstica na pandemia

A pandemia trouxe inúmeras consequências e, uma delas, foi o aumento do número de registros de violências domésticas em Mato Grosso do Sul ocasionado pelo isolamento social.

Na época, além das mulheres terem sido afastadas da rede de apoio e obrigadas a permanecerem em casa com seus agressores, encontraram maiores barreiras no acesso às denúncias e aos órgãos de atendimento. Foi o que alegou o Mapa do Feminicídio, desenvolvido pelo Governo de Mato Grosso do Sul. Ao todo, o crime teve aumento de 33,33% em 2020 em comparação a 2019, por exemplo.

A maior variação foi em Campo Grande: mais de 120%, a Deam registrou 12 feminicídios em 2020, contra 5 em 2019. Dos 40 feminicídios analisados, 28 ocorreram nos municípios do interior, o que corresponde a 70%. Além disso, os dados da pesquisa mostram que dos 79 municípios sul-mato-grossenses, 56 já registraram ao menos um feminicídio no período de 2015 a 2020.

Em 2020, 40 mulheres foram mortas por seus respectivos parceiros e 66 sobreviveram. Das 40 mulheres mortas, 30 eram mães. Além disso, 1.424 mulheres registraram BO por estupro, uma média superior a 118 BOs por mês. Por fim, 17.286 mulheres registraram BO de violência doméstica e familiar.

Conheça o amparo oferecido a vítimas de violência doméstica em MS

  • Medida protetiva online

Vítimas de violência doméstica podem pedir medidas protetivas pela internet. A mulher que for vítima desse tipo de violência e deseja denunciar seu abusador deve preencher o formulário de avaliação de risco no site do Tribunal de Justiça (https://sistemas.tjms.jus.br/medidaProtetiva/), no local destinado à solicitação de medidas protetivas de urgência e o pedido será encaminhado para análise do juízo da Vara de Medidas Protetivas: simples, rápido e de fácil acesso a todos.

  • Acompanhamento psicossocial

A Casa da Mulher Brasileira, por meio do Serviço Psicossocial Continuado (Conti), oferece suporte e auxílio para mulheres vítimas de violência doméstica superarem o trauma sofrido e resgatarem a sua autoestima e autonomia financeira.

No local, é realizado o acompanhamento com atendimento oferecido durante a denúncia, monitorando o caso até que a assistida tenha sua autonomia emocional e financeira para seguir em frente.

As vítimas são acompanhadas através de visitas domiciliares, monitoramento via telefone e contatos institucionais dentro e fora da Casa da Mulher Brasileira.

  • Auxílio aluguel

Foi sancionado pela Prefeitura de Campo Grande lei que prevê concessão de auxílio-aluguel às mulheres em situação de violência doméstica e familiar no início deste ano. A medida prevê a possibilidade do pagamento e será regulamentada.

O auxílio será previsto para mulheres que possuem medida protetiva, mas também àquelas que, pelas circunstância de violência e risco, foram obrigadas a deixar a moradia, com ou sem dependentes, após passar por análise técnica qualificada.

O recurso poderá ser concedido para família com renda mensal de até três salários mínimos, pelo prazo de até 12 meses, podendo ser prorrogado. A lei aponta a permissão para criação do auxílio, ainda sem detalhes da execução.

Vale ressaltar que essas e outras assistências podem ser conferidas com as autoridades de segurança, como a Casa da Mulher Brasileira, para o encaminhamento adequado da vítima.

Trabalho da Cufa em Campo Grande

A Cufa é uma ONG que realiza a entrega de cestas básicas nas 39 favelas da Capital. Também estabelece parcerias com órgãos públicos para levar até a periferia a prestação de serviços (como a emissão de CPF), organiza eventos culturais, além de outras ações.

Todos os bairros apontados nos mapas recebem atendimento da Cufa. Além das diversas ações voltadas à insegurança familiar nas favelas da Capital, como a distribuição de 46 toneladas de alimentos em 2021, a Central também mantém um programa de atividades específicas às moradoras dessas comunidades.

Um deles é o projeto do desenvolvimento do protagonismo feminino como forma de enfrentamento da violência doméstica, realizado pela psicóloga voluntária, Tatiana Samper, por meio de encontros nas favelas atendidas.

(Foto: Divulgação Cufa Campo Grande)

Por isso, a partir do levantamento das ocorrências de violências domésticas nas periferias de Campo Grande, a intenção da ONG é ampliar parcerias para que as mulheres dessas localidades consigam maior suporte para sair desse cenário de violência.

Denuncie

A Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) funciona 24 horas por dia, sete dias da semana, situada na Casa da Mulher Brasileira, na Rua Brasília, 85, Jardim Imá, em Campo Grande -MS.

Em casos de urgência, ligue no 190 e acione a Polícia Militar. Em casos de denúncias anônimas, ligue 180. 

 

Fonte: Mídiamax

Notícias semelhantes