Não era amor, era cilada: casos de ‘estelionato sentimental’ aumentam, mas denúncias ainda são poucas em MS

O mundo da Internet facilita as conexões sociais. O que antes eram quilômetros de distância, hoje em dia são segundos de espera pela notificação. Mas, como tudo, as redes possuem seu lado obscuro. Isso porque muitas pessoas as utilizam para cometer crimes, como é o caso dos chamados “golpistas do amor”, que buscam vítimas por meio de aplicativos de relacionamento ou redes sociais.

Esse termo é chamado no meio policial de estelionato sentimental. A delegada da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Marianne de Souza, explicou que há poucos registros desse crime em Campo Grande, mas alguns muito peculiares. Um mesmo homem, por exemplo, fez quatro ou cinco vítimas e desembolsou valores consideráveis.

“A gente tem notado um pequeno aumento desde o ano passado de registro desses casos. Então, todas as conversas mais ou menos parecidas, o modus operandi que a gente fala, que é o meio dele agir, é muito parecido. E nesse caso, por um acaso também, ele usa o nome verdadeiro dele”, conta. O autor segue foragido e, inclusive, mudou de estado. Contudo, a Deam segue com as investigações no intuito de capturá-lo.

Outro caso que marcou Campo Grande ocorreu em 2016. Um homem, de 32 anos, fingia ser policial militar e aplicava golpes em mulheres. O suspeito tem mais de 15 passagens por estelionato e levava dinheiro, carros, celulares, entre outros pertences das vítimas.

Em uma dos casos, o golpista conseguiu induzir uma das vítimas a financiar um veículo de R$ 88 mil no nome dela para ele. Também ganhou celular avaliado em R$ 4 mil, roupas e celulares de marca. Na época, a vítima denunciou o autor e entrou com processo contra ele, pedindo valor superior a R$ 33 mil como forma de indenização.

O golpista mandava mensagens para as mulheres dizendo que não tinha atendido a ligação porque estava em uma missão. Dessa forma, iniciava as conversas constantes com ela, até envolvê-las em um relacionamento.

Atuando da mesma forma, ele diz que está com as contas bancárias bloqueadas e que precisa comprar algo, mas que vai pagar depois. Com isso, acaba pegando dinheiro das vítimas. A última vítima desse golpista que registrou o caso foi em 2021.

Perfis diversos, tanto de autores como de vítimas

A delegada explica que tanto os perfis das vítimas quanto dos autores são diversos, e o contato tem início, normalmente, por aplicativos de relacionamento ou outras redes sociais.

“Nós temos casos diversos. Não tem um padrão nem de idade, nem de classe social e temos padrões diversos tanto de vítimas como de autores. Geralmente, esse contato vem por meio de aplicativos de relacionamento ou pelo Instagram e Facebook, principalmente. [O autor] conhece, adiciona, começa a conversar. Às vezes chega a ter o contato físico, às vezes não. Depende”.

Os chamados “golpistas do amor”, muitas vezes, utilizam atos que vão beneficiar as vítimas, como, por exemplo, ir vê-las, para aplicar os golpes financeiros. Também são comuns pedidos para tratamentos de saúde – que não acontecem -, conserto de veículos, dívidas com parentes, etc.

Conforme a psicóloga Sani da Silva Farias, os danos às vítimas podem, também, deixar marcas no emocional e psicológico delas. “Depressão e a ansiedade, maior intensidade dos sentimentos de raiva e culpa por ter se deixado enganar. Também são notórios a decepção e a perda de confiança, que podem levar a um estado de tristeza profunda e desespero e vergonha. O medo vem como forma de se proteger de outros relacionamentos, e é mais difícil ter novos envolvimentos emocionais, impactando as relações interpessoais, dificultando o retorno a vida norma”, conta.

Cuidados

Ninguém está proibido de utilizar redes sociais ou aplicativos de relacionamento. Contudo, é importante tomar algumas precauções e ficar em alerta para evitar cair em golpes.

A psicóloga Sani Farias explica que é comum os golpistas construírem falsas imagens de si mesmos, com características de comportamentos positivos e com uma carreira profissional bem-sucedida.

“Depois que criam uma conexão emocional rápida e intensa, passam a adorar as vítimas e fazem demonstrações exageradas de amor e afeto, para conquistá-las. Isso pode fazer com que a vítima se sinta desejada e valorizada, criando uma sensação de conforto e segurança”.

(Foto: Nathalia Alcântara)

São red flags, ou sinais de alerta, pedidos de dinheiro, presentes, pagamentos de contas ou do nome da vítima para fazer empréstimos, paixão rápida, tentativa de controle ou manipulação, especialmente afastando a vítima de parentes e amigos, deixando-a isolada, e também negar-se a fornecer dados pessoais, de familiares ou amigos.

Denúncia

É normal que as vítimas sintam-se envergonhadas, mas é necessário que denunciem os casos. Na Casa da Mulher, as mulheres recebem atendimento sensível e especializado, contando com auxílio de psicólogos. A Deam fica no mesmo prédio e recebe as denúncias dos crimes.

A denúncia pode vir a trazer a reparação de danos financeiros e também a afetiva. “Da mesma forma que é de extrema importância a busca por auxílio psicológico para amenizar o trauma sofrido pelas vítimas. A terapia se faz essencial nesses casos. A condução da terapia inicialmente é de acolhimento dessa vítima, no decorrer das sessões tentamos aos poucos dar um novo significado para a situação, de modo que isso não se torne um ‘fardo’ maior que é”, explica a psicóloga.

Conforme a delegada Marianne de Souza, a subnotificação é um dos maiores problemas na investigação dos casos.

“É até importante mencionar que hoje em dia esses crimes, mesmo quando registrados, não são registrados na delegacia da mulher, eles são enviados pra cá e investigados aqui por esse contexto. Por mais que às vezes o relacionamento seja breve, ou seja, só de forma virtual, pode, sim, ser aplicado à lei Maria da Penha. Então, pode ser aplicada à lei Maria da Penha, cabe medida protetiva, cabe tudo o que essa mulher pode ter aqui na DEAM e pela toda rede de atendimento”, destaca.

As denúncias podem ser concentradas na Deam, que fica localizada na Rua Doutor Arlindo Andrade, número 149. O telefone para contato é (67) 3384-1149.

 

Créditos: Jornal Midiamax

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