ONG faturou R$ 432 milhões em 9 anos com saúde indígena em MS

Com contratos desde o início de 2014 com o governo federal para cuidado da saúde indígena em várias localidades brasileiras, a ONG Missão Evangélica Caiuá, que tem sede em Dourados, já recebeu, nesses nove anos de prestação de serviços, R$ 432 milhões por atividades realizadas apenas em Mato Grosso do Sul.

De acordo com o Portal da Transparência do governo federal, os primeiros contratos são de fevereiro de 2014, 19 ao todo. De lá para cá, a entidade, que atende diversas regiões do País com a contratação de profissionais para atuarem na saúde indígena, vem acumulando centenas de outros contratos.

Para atender todo o Brasil, a ONG de Dourados já recebeu R$ 2,9 bilhões, valor contabilizado de 2014 a 2022. Desse montante, só para Mato Grosso do Sul, vieram
R$ 423.010.668,81, por meio do Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas.

Mesmo com esses recebimentos, conforme pesquisa na Receita Federal, a entidade está inscrita na dívida ativa, com saldo devedor de R$ 338.872,30 em apenas um dos CNPJs que possui, o de Dourados.

De acordo com o levantamento da reportagem, a Missão Caiuá tem outros quatro registros com o mesmo nome fantasia, um em São Paulo (SP), um em Amambai (MS) e dois em Brasilândia (MS).

Além disso, foi possível encontrar um processo na Justiça Federal da 3ª Região no qual a ONG pede o desbloqueio dos repasses federais que seriam destinados à entidade, que foram suspensos pelo não pagamento de contribuições previdenciárias a funcionários da instituição.

De acordo com o processo, que é de abril do ano passado, a Receita Federal havia identificado três débitos vencidos sem pagamento, de dezembro de 2021, nos valores de R$ 1.165.876,58, R$ 97,84 e R$ 1.155.429,07, totalizando R$ 2.321.403,49, o que justificou o não repasse dos valores de convênios com o governo federal para a ONG.

Entretanto, a entidade afirmou, na época, que, depois do bloqueio, realizou o pagamento das guias da Previdência Social e regularizou a situação, por isso solicitava o desbloqueio do recurso e alegava que a falta do dinheiro poderia ocasionar a paralisação do atendimento a comunidades indígenas em Dourados.

QUALIDADE

“Nossa saúde aqui está precária, no posto de saúde não tem nada de medicamento. Estamos sem viatura e sem telefone para ligar no polo-base de Dourados”, disse Reinaldo Arevalo, conhecido como Dinho, capitão da Aldeia Bororó.

De acordo com o líder da comunidade indígena, além da ausência de remédios e de assistência básica, os indígenas locais convivem diariamente com a falta de água potável, o que, segundo ele, afeta a qualidade de vida e, consequentemente, causa diarreia e outras enfermidades, principalmente em crianças.

“Não está fácil, e eu sei que tem dinheiro. A questão principal é não saber administrar essa verba, que interessa não somente à Aldeia Bororó, mas à Aldeia Jaguapiru”, frisou Dinho.

Sem se identificar, um dos líderes da Aldeia Jaguapiru, também de Dourados, destacou a precariedade do acesso a água na aldeia. “Trabalho na parte de saneamento, e em um dia a gente tem água, no outro não tem”, pontuou.

Questionado sobre a presença da ONG Missão Caiuá nas atividades da região, o líder se mostrou surpreso com o valor de R$ 213 milhões que a entidade deve receber até o fim do ano e com os R$ 872 milhões que já recebeu durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, valor referente ao atendimento para todo o País.

“Trabalho para a ONG Missão Caiuá, sou contratado por eles, mas não chegou na aldeia [o valor recebido pela entidade]. Fora que saúde e medicamento, essas coisas não tem”, afirmou.

“Nos reunimos com os gestores de lá, e eles reclamaram bastante que a Missão Caiuá está sem verba para pagar funcionários, almoço, medicamentos. Fico espantado de saber que vem tudo isso aí [de dinheiro] e os gestores estão reclamando de falta de verba”, finalizou.

Em contato com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI-MS), a fim de saber qual o panorama das verbas utilizadas na saúde indígena de Mato Grosso do Sul, a reportagem não obteve retorno até o fechamento da edição.

Já a ONG Missão Caiuá informou, por meio de nota, na semana passada, que atua apenas de forma complementar na saúde indígena, com a única obrigação de contratar profissionais de saúde que ficam à disposição do DSEI-MS.

“Atualmente, temos mais de 700 profissionais contratados só aqui em MS, e esses ficam à disposição do governo federal e compõem as equipes de saúde indígena”, disse a entidade.

A ONG acrescentou que o convênio não é responsável por outras despesas, como alimentos, remédios, transporte, entre outros.

“Paralelo a isso, a entidade tem um hospital [Hospital Porta da Esperança] ao lado das aldeias em Dourados e atende de forma gratuita a todos os indígenas [atendimento básico e primário]”.

A Missão Caiuá também reforçou que vive de doações, e que os recursos recebidos para o hospital e pelos convênios não podem ser direcionados para a compra de alimentos.

RECURSOS

Na terça-feira (24), o jornal O Globo denunciou o mau uso do dinheiro que deveria ser destinado pela Missão de Caiuá para levar atendimento médico aos povos indígenas, e até mesmo o desvio da verba para garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo.

A entidade foi a que mais recebeu dinheiro do Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), totalizando R$ 872 milhões.

O valor é 47% maior do que o destinado para a segunda instituição que mais obteve recursos do governo federal, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, que recebeu R$ 462 milhões.

 

Fonte: Correio do Estado

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