Pastor, pai de santo e padre nunca se separam e dizem que religião é onde o coração manda

Dos tempos em que poucas casas tinham muros e um córrego limpo levava várias mulheres a lavarem roupas no local, os amigos da comunidade Tia Eva ali cresceram. As mães nos afazeres domésticos e os garotos na bolita, nas rodas de viola, até que a juventude, na década de 70, os fizeram experimentar a cachaça e aí vieram os “empurrões” para que cada um seguisse o seu rumo.

No entanto, jamais se separaram. São 53 anos de amizade em Campo Grande, fato admirável nos dias de hoje, em que as relações interpessoais estão cada vez mais fluídas. Na época da pandemia, iniciaram um grupo no WhatsApp chamado “Os Ganchos”, em que continuam com a zoeira diária e também falam sobre a vida, filhos, política e religião. E adivinha? O assunto nunca dá briga, já que cada um se respeita.

O primeiro ao relembrar os “bons tempos” é o pastor Cícero das Chagas Oliveira, de 59 anos. Amigo do pai de santo João Vicente Correia de Oliveira, de 57 anos, fala que um sempre foi ajudando o outro, inclusive quando chegaram os filhos. Na entrevista, por estar passeando em Santa Catarina, não estava presente o padre Hermes Ferreira da Silva, de 62 anos, porém, foram muitas as histórias contadas pelos amigos.

Pastor diz que recebeu orientação espiritual

No caso do Cícero, o empurrão que ele precisava para seguir o evangelho veio do amigo Vicente. “O tranca rua, que é a entidade dele, foi lá e disse o seguinte: você vai para igreja. E eu respondi: ‘Não vou não’. E ele respondeu: ‘Você tá bebendo mais do que eu. Você vai sim. Você tem um missão a cumprir lá. Não tem que querer’. E eu fui. Tudo começou assim”, contou ao MidiaMAIS.

A mãe do Cícero, já conhecida pelas benfeitorias na comunidade, também dava exemplo aos filhos e recebia a todos sem jamais impor a sua religião, segundo o pastor. O amigo Vicente reafirma e diz que a considerava como mãe, a sua segunda mãe.

“Ela faleceu no ano de 2019 e sempre cuidou de todos nós, como se fossemos mais um dos seis filhos dela. Logo que me casei e tive filhos, ela também ajudou a cuidar dos nossos filhos. Eu falava que ela era a minha mãe preta e ela falava que eu era o filho branco dela”, relembrou o pai de santo.

‘Todas as religiões possuem mensageiros’, fala pastor

Cícero ressalta que todas as religiões, seja a católica, evangélica e espírita, entre outras, possuem mensageiros.

 

“São eles, com os espíritos e as entidades, que seriam anjos mensageiros, que possuem essa ligação direta com Deus e que nos dão direção sobre o caminho a seguir na terra. Eu mesmo sou um exemplo. Tive um direcionamento de quem menos esperava. E como posso achar que, por ser de outra religião, são pessoas más? Eu recebi o caminho por um deles”, argumentou.

 

Sobre o padre Hermes, Cícero fala que ele também teve orientação dos amigos. “Ele estava meio perdido uma época. Uma vez, chegou bêbado e quebrou o banco das mulheres que estavam lavando roupa no córrego. O tio dele conversou, a mãe reclamou e aí conseguimos convencer ele a ir para o seminário. Também entendo um pouco da religião dele e amo. Todos tivemos uma infância maravilhosa juntos, nas festas da comunidade e até montamos um grupo vocacional, ajudando a levar pessoas para o seminário, tanto homens como mulheres que gostariam de ser freiras”, explicou.

‘Ninguém perdeu a essência’, argumenta Cícero

Atualmente, Hermes realiza missas e cuida de cinco comunidades, então, diminuiu a frequência das visitas, porém, sempre que podem, os amigos estão juntos. “Quando ele ordenou padre ficou 11 anos no distrito de Jaraguari e depois voltou. Mas nunca ficamos distantes e esse grupo no WhatsApp foi para nos unir ainda mais, no tempo em que ficamos reclusos em casa. E sempre brincamos um com o outro. Isso desde pequeno. Se é pra dar conselho e puxão de orelha também. A gente sempre está pronto e ninguém perdeu a essência”, argumentou.

Sobre a própria religião, Vicente fala que, muitas vezes, é complicado encontrar amigos verdadeiros. “Infelizmente, tem muito disso, de um querer ser melhor que o outro. Seja na umbanda, no canbonblé e no kardecismo, então, a amizade que eu tenho com o Cícero e com o Hermes é algo muito valioso. Não há vaidade, somos verdadeiros um com o outro”, opinou.

 

O amigo Cícero, mais uma vez, concorda. “Na igreja evangélica é a mesma coisa. Em alguns casos também acontece de um querer ser mais que o outro. Só a igreja dele presta, só o que ele prega, então, é por isso que preservamos o que nós temos. Nunca tivemos uma briga e é até engraçado. Na festa de São Benedito, esses tempos atrás, éramos assim: o pastor na água, o padre na Coca e o macumbeiro na cerveja. Nós somos amigos e a religião é onde o coração manda. E a desunião é a falta de espiritualidade”, finalizou.

 

Fonte: Mídiamax

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