Polícia Civil de MS veta “apresentação” de presos para evitar punições de lei

Legislação entrou em vigor no dia 3 de janeiro e considera crime a exposição de detentos à “curiosidade pública”

A cena comum nos programas televisivos e nos jornais impressos ou on-line de presos em flagrante ou por ordem judicial sendo “apresentados” à imprensa, com um painel da Polícia Civil ao fundo, não vai mais existir em Mato Grosso do Sul, se for cumprida determinação da direção-geral da Corporação. Cinco dias depois da entrada em vigor da lei de abuso de autoridade, ao ser provocada pela reportagem a respeito, a chefia da força policial emitiu nesta quarta-feira (8) recomendação aos seus integrantes sobre a legislação, que, em seu artigo 13, veda a exposição de presos “à curiosidade pública”.

Indagado pela reportagem, o diretor-geral da Polícia Civil, Marcelo Vargas, havia dito que a normativa estava em elaboração. Antecipou que não haveriam mais as apresentações à imprensa e sim entrevistas coletivas dos delegados responsáveis pelos inquéritos. No texto divulgado nesta tarde, a recomendação é expressa de “não exibição do preso ou do detento ou de partes do corpo destes à imprensa para filmagens ou fotografias, bem como a divulgação de imagens do rosto ou de partes do corpo de presos ou detentos em redes sociais ou aplicativos de comunicação em tempo real, ou mesmo submeter tais pessoas à situação constrangedora ou vexatória”.

Exceção – A ressalva são “hipóteses de divulgação de retratos falados de suspeitos ou fotografias de foragidos cuja prisão tenha sido decretada”.

Quanto ao veto ao uso das redes sociais e aplicativos de comunicação, a regra estabelece que a responsabilidade pela divulgação ”será de inteira responsabilidade penal, civil e administrativa do servidor policial civil que criar e manter rede, página ou site relacionada à determinada unidade policial sem consentimento formal da Administração Superior da Polícia Civil.”

O texto também traz orientações sobre como devem ser feitos os interrogatórios dos presos e recomendações quanto à conduções coercitivas, vetadas se forem apenas para depoimentos, como já decidiu a instância máxima da justiça brasileira, o STF (Supremo Tribunal Federal).

Sem imagens nem nomes – A Polícia Militar de Mato Grosso do Sul havia informado, assim que a medida legal começou a valer, que não repassará mais à imprensa fotos nem nomes de pessoas envolvidas em crimes flagradas pelos militares. Só material apreendido será exposto, segundo a orientação. PRF (Polícia Rodoviária Federal) e PF (Polícia Federal) adotam essa norma há mais tempo e agora devem torná-la ainda mais rígida, para evitar os efeitos da lei de abuso de autoridade.

Polêmica, a legislação recebeu críticas de entidades representativas dos magistrados, promotores e procuradores e outros operadores do direito. Mas é elogiada quanto à proteção da imagem de suspeitos de crimes por advogados dedicados à área criminal. “Está correta a nova lei neste ponto ao proteger a dignidade da pessoa humana, afinal independentemente do crime praticado, o ser humano e sua imagem não devem servir como troféu para polícia ou autoridades administrativas responsáveis por sua prisão”, afirma Tiago Bunning, professor, mestre em Ciências Criminais e presidente da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Presidente da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB, Tiago Bunning, diz que norma protege “dignidade humana” de suspeitos de crimes. (Foto: Divulgação)

Punição – De acordo com ele, a lei 13.869/2019, em seu artigo 13, prevê como crime o constragimento do preso mediante a exibição de sua imagem (rosto ou mesmo parte de seu corpo) para curiosidade pública, sob pena de punição de 1 a 4 anos. “Isso impede a exibição de pressos junto de bens apreendidos em frente a banner ou viatura com brasão da polícia prática até então comum e rotineiramente realizada”, anota.

Acostumado a lidar com a rotina das delegacias, o criminalista José Roberto da Rosa afirma entender tanto a dinâmica do trabalho policial quanto da imprensa, mas afirma que impera no direito brasileiro a presunção de inocência e o entendimento de que uma pessoa só é considerada culpada quando a sentença transita em julgado. Ele cita que a decisão recente do STFrejeitando o cumprimento de pena antes de esgotadas todas as instâncias de recurso é mais um elemento que reforça o impedimento de divulgação da imagem de pessoas que possam vir a ser inocentadas futuramente.

Rosa lembra que, com a rapidez da propagação de informações na internet, já ocorreram inclusive linchamentos de pessoas cuja culpa por crimes não foi comprovada posteriormente.

Interesse público – Crítico à nova legislação, o presidente da Associação dos Membros do Promotores e Procuradores do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, Romão Ávila, afirma que o veto às divulgações sobre os casos investigados é totalmente compreensível em situações de decretação de sigilo. Em outras investigações, para ele existe o risco de retrocesso social. “Quando não se determina o sigilo, o que prevalece é o interesse público da informação e publicidade dos atos”, argumenta. “Assim, qualquer conduta contrária, viola o interesse público em prevalência ao interesse privado a imagem e intimidade do preso”, prossegue.

O promotor concordou com a reportagem ao ser perguntado se essa análise vale, por exemplo, para um caso de prisão de estuprador com suspeita de várias vítimas, quando a divulgação da identificação e imagem pode contribuir para tanto para localizar o criminoso quanto para descobrir novas vítimas.

Além das polícias, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) informou que também já orientou seus servidores ao respeito à lei. No TJMS, as informações de decisões judiciais tornadas públicas no site do órgão público já não tem nome nem foto dos envolvidos, para proteger as partes.

CGNEWS

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