Remédio de R$ 6 para diabetes vira moda nas redes como emagrecedor; médicos negam efeito e pedem cautela

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Embora seja um dos medicamentos mais antigos e seguros no tratamento da diabetes tipo 2, a metformina, conhecida comercialmente como Glifage, vem sendo buscada nas farmácias com outro objetivo: o emagrecimento.

Nas redes sociais, relatos de pessoas que perderam alguns quilos com o uso do remédio alimentam a curiosidade. Mas médicos alertam: a queda de peso, quando acontece, é pequena e inconstante, e o uso fora das indicações pode trazer riscos.

O que é a metformina

Descoberta nos anos 1920 e incorporada ao tratamento da diabetes décadas depois, a metformina pertence à classe das biguanidas. Seu principal efeito é reduzir a produção de glicose pelo fígado e melhorar a sensibilidade à insulina — mecanismos que ajudam a controlar a glicemia em pessoas com resistência insulínica.

Hoje, ela é considerada a base do tratamento da diabetes tipo 2 e também é prescrita em casos de pré-diabetes e na síndrome dos ovários policísticos (SOP). Por ser barata e amplamente disponível, inclusive pelo programa Farmácia Popular, tornou-se um dos remédios mais usados no Brasil.

A associação entre metformina e emagrecimento não é nova. Estudos mostram uma perda média de 2% a 3% do peso corporal, algo que pode significar dois ou três quilos em um paciente de 100 kg.

Para que um medicamento seja considerado eficaz na perda de peso, essa porcentagem deve superar os 5%, como alerta a endocrinologista e Fundadora da Clínica Viver Bem Mais, Lyz Helena Aires Lopes.

Endocrinologista do Fleury Medicina e Saúde, Pedro Saddi relembra que esse efeito costuma ser mais perceptível em pacientes que já apresentam resistência à insulina, como diabéticos, pré-diabéticos ou pessoas com SOP. Em indivíduos saudáveis, praticamente não há impacto.

Parte da confusão vem do fato de a metformina também estimular, ainda que de forma muito discreta, a produção de GLP-1 — o mesmo hormônio-alvo de medicamentos modernos como o Ozempic e o Mounjaro, que de fato promovem perda de peso significativa.

A diferença é que, enquanto os novos fármacos atuam diretamente nos centros de fome e saciedade do cérebro, a metformina tem uma ação indireta e pouco potente.

É um excelente remédio para tratar diabetes, mas não um tratamento para obesidade”, resume Fabio Moura, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). A mesma avaliação é feita por Alexandre Hohl, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), que chama atenção para a banalização do uso:

“Quando alguém toma metformina sem indicação médica, além de se expor a efeitos colaterais imprevisíveis, está simplesmente jogando dinheiro fora”, afirma o endocrinologista.

Riscos e efeitos colaterais

Apesar de ser considerada segura, a metformina não é isenta de efeitos adversos. Entre os mais comuns estão náusea, diarreia, dor abdominal e o gosto metálico na boca. O uso prolongado também pode levar à deficiência de vitamina B12, o que causa cansaço, anemia e até problemas neurológicos.

Outro ponto de atenção é o risco de acidose láctica, uma complicação rara, mas grave, que pode ocorrer quando o medicamento é usado por pessoas com insuficiência renal. Nesses casos, a droga não é eliminada corretamente e se acumula no organismo. “Não é que a metformina faça mal ao rim”, explica Moura. “Mas, se o rim já não funciona bem, o risco aumenta.”

Por que voltou à moda

 

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O interesse recente na metformina está ligado ao sucesso de remédios modernos para obesidade, como a semaglutida e a tirzepatida. Nas redes sociais, a comparação com os chamados análogos do GLP-1 gera a impressão de que o Glifage seria uma alternativa mais barata.

Para Lyz Helena, esse raciocínio é enganoso: “O efeito é muito pequeno. Enquanto os análogos atuam de forma intensa na saciedade e no apetite, a metformina só ajuda de maneira secundária”.

Hohl acrescenta que a popularização do uso sem indicação médica revela um problema maior: a busca por soluções rápidas.

“O remédio virou moda porque é barato e fácil de encontrar. Mas quem usa dessa forma acaba se expondo a riscos desnecessários e, muitas vezes, a resultados frustrantes.”

O que dizem os estudos

O efeito da metformina sobre o peso vem sendo estudado há décadas. Nos anos 1990, o histórico United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) já havia identificado uma perda média de 1 a 2 quilos entre pacientes que usavam o medicamento.

Pouco depois, o Diabetes Prevention Program (DPP), publicado em 2002 no New England Journal of Medicine, reforçou a tendência ao mostrar redução de cerca de 2,1 kg em três anos entre pessoas com pré-diabetes.

Mais recentemente, revisões sistemáticas — como a publicada em 2019 no periódico Diabetes, Obesity and Metabolism — consolidaram esses achados, indicando que a queda de peso associada ao uso da droga gira em torno de 2% a 3% do peso corporal. Para os especialistas, trata-se de um efeito modesto demais para justificar a aprovação da metformina como tratamento da obesidade.

“Esse uso fora de contexto é só a ponta do iceberg. Enquanto alguns países sequer têm metformina disponível para tratar diabéticos, aqui ela está sendo banalizada por quem não precisa. Precisamos buscar equidade, não desperdício”, conclui Hohl.
Créditos: G1

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