Existe uma teoria muito falada por quem busca vestígios de que não existe crime perfeito. A partir daí, são transformados em indícios e existe todo um desenrolar das forças policiais para se provar um crime ou um desaparecimento, por exemplo. E é justamente o sumiço de Tânia Bonamigo, que envolveu a maior operação de busca por uma pessoa desaparecida, já realizada em Mato Grosso do Sul, que ainda intriga muitos envolvidos e pode ter reviravolta. O caso completa dois anos nesta terça-feira (9).
Na época dos fatos, em janeiro de 2022, passados alguns meses e no decorrer do inquérito, policiais experientes já tinham conversado com a reportagem. A investigadora Maria de Campos, por exemplo, não se furtou em dizer que acredita em “uma possível fuga”. Quando o desaparecimento foi formalizado, disse que se “colocou à disposição” da família e ressaltou que acha muito pouco provável a hipótese dela ter sido morta por algum animal. “Onça não come roupa, tênis…”, comentou, na ocasião.
Muito além de hipóteses, muitos servidores se envolveram no caso, participando, “dia e noite”, da apuração dos fatos e operações de busca pela suposta vítima. A reportagem conversou com vários deles e, inclusive, teve acesso a um relatório extraoficial no qual detalham algumas lacunas ainda a serem preenchidas.
O extenso documento ao qual a reportagem teve acesso é semelhante a uma reprodução simulada dos fatos. A dinâmica inicial aponta que, no dia nove de janeiro de 2022, quatro carros saíram de Campo Grande, com destino a São Gabriel do Oeste, na região norte do Estado. Ao todo, 15 pessoas partiram para trilha, cinco em uma caminhonete Nissan, três em um T-Cross (carro que seria da irmã de Tânia), Mitsubishi ASX e mais quatro no último carro, um RAV 4 onde estava Tânia Bonamigo, ainda conforme o relatório.
A partir do sumiço, a delegacia de Polícia Civil de São Gabriel do Oeste passou a atender a ocorrência. No entanto, o desespero de uma parente, cujo nome não será divulgado, fez com que a autoridade policial solicitasse apoio do canil de Coxim e, em seguida, de Campo Grande. Naquele momento, os servidores falam que a conversa era de que se tratava de “uma família muito influente e com dinheiro”.
‘Não havia consistência de informações’, aponta relatório
Os militares falam que alguns chegaram até a ser ofendidos por parentes, mas, seguiram com o trabalho. Nas conversas, enquanto preenchiam o formulário de busca padrão, que é de praxe para ajudar no planejamento da operação, já entenderam que “não havia consistência de informações”. Cada dia algo novo: uma hora Tânia estava bem, outra hora um pouco triste, chorosa, com problemas no casamento e, por último, estaria com depressão e por isso teria viajado sozinha.
Outro detalhe é que, quando os bombeiros chegaram ao local, havia apenas um dos quatro carros, sendo que, quem ficou no local seriam irmãs da vítima, um amigo e o guia. Um desses carros que estava indo embora se deparou com uma das viaturas de São Gabriel, que chegava na ocorrência, e deu uma mochila dizendo que seria um pertence da vítima.
Em posse deste pertence e também de um short e lingerie, além de um tênis de onde foram coletadas palmilhas e cadarços, quatro cães saíram em busca da Tânia. Nenhum deles indicou que a vítima pudesse estar no local ou, quem sabe, esteve em outro momento. Conforme a conclusão dos servidores envolvidos, das duas uma: ou a vítima realmente nunca esteve lá ou então os objetos entregues não eram da mulher desaparecida.
Durante os procedimentos, policiais à paisana, com óculos de visão noturna, também apareceram para atuar na ocorrência, se identificando como “amigos da família” e que estavam ali para ajudar. No entanto, quem é especialista, de fato, ressalta que “rastreamento humano” não ajudaria em nada, em um momento em que o local já estaria contaminado.
Pois bem, o documento diz ainda que houve troca de equipes, mas, sempre a partir do quinto ou sexto dia, qualificavam como “estranha” a história de desaparecimento. Mesmo assim, o revezamento de equipes continuou atuando na região, inclusive em locais de difícil acesso, passando mais de uma vez pelo mesmo endereço.
Neste trabalho, servidores ressaltam que foram usados “drones de última geração”, pertencentes à agentes da PF (Polícia Federal), que também estiveram no local, além de drones com câmera térmica, helicópteros, equipes do serviço reservado, equipes de civis de rapel, trilhas e aventura. Houve também a oitiva com funcionários de uma fazenda e todos com o mesmo sentimento, de que “ela não esteve naquele local”.
Em contato com parentes mais uma vez, uma delas chegou a dizer que achava que a vítima poderia ter sido atacada por abelhas, caído e batido a cabeça, ficando desorientada e saído sem rumo. Ao mesmo tempo, a Polícia Civil estava nas apurações do caso, adquirindo imagens da rodoviária onde o grupo parou para ir ao banheiro. É este então o momento crucial. No documento é dito que Tânia não volta para o carro e as imagens mostram que todos vão embora sem ela.
Questionados, os integrantes do grupo não confirmam ter visto Tânia nas imediações da cachoeira. A única que alegou que viu Tânia no local foi uma das irmãs, porém, ela nem desceu pela trilha que levava ao pé da cachoeira, além de um amiga citada por ela, que seria a pessoa que confirmaria a informação. Esta última pessoa foi interrogada em outros momentos e falou que a vítima estaria sim enfrentando problemas no casamento e triste, mas, que “estava se encontrando”.
Além disso, de maneira informal, falou que viu Tânia na trilha, por último. No entanto, para a Polícia Civil, de maneira formal, alegou que “só se estivesse muito enganada, mas que viu uma mulher com as mesmas características”, segundo o relatório ao qual a reportagem teve acesso.
Familiar teria dito que “não sabia se podia dizer alguma coisa”
Outro parente da vítima também disse para alguns dos servidores envolvidos que “não sabia se podia dizer alguma coisa”, porém, foi dito a ele que a investigação descobriria de qualquer maneira, quando ele “virou as costas e saiu”, demonstrando que algo não estava certo neste desaparecimento, segundo as palavras do relatório.
Enquanto isso, as autoridades competentes enviaram ordens de trocas e trocas de equipes, mas, todos com a mesma conclusão, de que Tânia não esteve naquele local. Assim, os boatos ganharam força. “Sempre falaram que ‘a mulher da cachoeira’ fugiu para outro país, que teria ido para outra cidade, para praia e até que fugiu para viver um romance e, de início, tudo parecia fantasioso. No entanto, ao que parece, é que ninguém imaginava que o desaparecimento iria ter esta repercussão”, disse o servidor.
De acordo com o relatório, em setembro de 2022, envolvidos no caso teriam recebido novas informações, de que, possivelmente, Tânia estaria viva e parentes não saberiam como “reinseri-la na sociedade”. Em julho de 2023 também surgiram conversas, de uma fonte ligada à família, de que ela estaria viva e existia até a preocupação dos familiares em ter que pagar indenização por uma suposta farsa, já que houve todo um aparato financeiro do Estado durante as buscas, além de questões que envolvem herança.
Alguns bombeiros que participaram das buscas disseram que tiveram lesões durante o trabalho, bem como alguns foram atacados por abelhas e sofriam a pressão em “resolver logo a situação”, ficando emocionalmente abalados com a “ocorrência que nunca era resolvida”.
O relatório revela, ainda, que na folha 34 do inquérito policial, está o depoimento de uma familiar e lá ela teria dito que “Tânia ficou na rodoviária”. Pelas informações, da folha 19 do IP, consta que a testemunha “recebeu um abraço de Tânia na rodoviária” e partiu.
Há um ano, a reportagem já havia entrado em contato com familiares e também detalhou a percepção de servidores envolvidos. Leia aqui: ‘Nenhum fio de cabelo’: Tânia sumiu há 1 ano em cachoeira e polícia não descarta que esteja viva
A reportagem também recebeu a informação de movimentações financeiras da família, onde Tânia Bonamigo estaria repassando bens aos filhos, em maio de 2022. Ao entrar em contato com a Jucems (Junta Comercial de Mato Grosso do Sul), nessa segunda-feira (8), a informação que obtivemos é que os documentos são públicos e qualquer um teria acesso.
Filhos dizem que vivem ‘luto doloroso’
Nessa segunda-feira (8), os filhos de Tânia encaminharam nota para imprensa, falando dos sentimentos e dizendo que vivem luto doloroso. Veja na íntegra:
É muito difícil compartilhar momentos como esse com as pessoas, pois eles trazem à tona sentimentos de muita dor e sofrimento. Hoje se completam 2 longos anos de luto dessa tragédia que abalou nossa família e nossas vidas. Infelizmente ainda não temos respostas, o que nos causa uma profunda dor.
Todavia dentro de nós há a certeza de que se ela estivesse disponível para dizer algo, ela já teria dito.
Nossa mãe sempre foi uma pessoa altruísta, uma mulher de muito amor, sensibilidade e bondade, capaz de se doar e ajudar muito ao próximo. O amor que ela sentia por nós e pela família sempre foi algo muito presente em nossas vidas.
A conexão com nossa mãe sempre foi maior do que qualquer questão no mundo e, por isso, temos a certeza em nossos corações de que se houvesse alguma forma dela fazer contato ela já o teria feito e, estaria ao nosso lado.
Infelizmente quando coisas muito difíceis acontecem algumas pessoas são capazes de fantasiar versões e histórias. Todavia, para aqueles que realmente conheceram de perto a mulher amorosa e altruísta que ela sempre foi, essas fantasias não fazem sentido.
Para nós esse amor e essa verdade sobre ela são maiores do que qualquer pensamento e qualquer distância que possa existir. Assim, diante desse amor e, para honrar a mãe e a mulher que ela sempre foi, que decidimos fazer essa nota na imprensa.
O amor que sentimos por ela nos deu forças para nos expormos mesmo diante de um momento onde a vontade era de não mostrar ao mundo nossa dor e nossa fragilidade, e assim vivermos esse luto tão doloroso.
Fonte: Midiamax