Vulneráveis: em seis anos, quase 7 mil crianças foram vítimas de estupro em Mato Grosso do Sul

Vulneráveis, crianças e adolescentes são as principais vítimas dos estupros cometidos em Mato Grosso do Sul. Dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul) apurados pelo Jornal Midiamax revelam que das 14.750 vítimas de estupros cometidos entre 2018 até novembro deste ano, 6.988 são crianças de até 11 anos de idade. O número representa quase metade do total de vítimas: 47,5%.

Os dados também detalham que adolescentes de 12 a 17 anos representam 32,6% do total de registros, foram 4.816 vítimas nesse período.

Em relação ao sexo das vítimas, os números da secretaria de segurança expõem que as meninas são as mais vulneráveis ao abuso sexual.

De todos os casos registrados em Mato Grosso do Sul, incluindo adultos, as mulheres são 82,7% das vítimas. Foram 12.195 entre 2018 e 2023. Homens, entre crianças e adultos, foram 1.626 vítimas, o que representa 11% do total. 929 vítimas não tiveram o sexo detalhado pela Sejusp.

Cultura machista contribui para cenário

Para a pesquisadora e psicóloga social da Semu (Subsecretaria de Políticas Públicas para a Mulher), Márcia Paulino, estes números estão relacionados com a existência de uma cultura patriarcal e machista no Brasil, que alimenta a ideia de que os corpos de meninas e mulheres devem estar à disposição dos homens.

Segundo ela, os crimes contra a dignidade sexual, incluindo o estupro, são o resultado de relações de poder desiguais entre mulheres e homens.

“As meninas e mulheres foram e ainda são objetificadas, coisificadas, colocadas em condição de subalternidade e submissão, por isso seus corpos são os mais violados. No caso das crianças e adolescentes, soma-se a vulnerabilidade e a imaturidade física e emocional das vítimas que, muitas vezes, não conseguem identificar e nomear uma violência sexual, pois faltam repertórios e vivências para isso”, afirma.

A especialista destaca que a falta de crédito dada à palavra das mulheres faz com que os relatos das vítimas ainda sejam colocados em dúvida.

“Além disso, nem sempre esse crime ocorre mediante violência física, mas sim com intimidação, coação, ameaças e chantagens, sendo ainda mais difícil para a vítima buscar ajuda. Outros fatores importantes a mencionar são a culpabilização e o descrédito atribuído à palavra das vítimas. Esses fatores fazem com que o crime de estupro ainda seja de difícil notificação. Apesar dos altos índices, acredito que muitos casos ainda estão subnotificados”, enfatiza a psicóloga.

Dados sobre as vítimas de estupro em MS de 2018 a 2023 (Madu Livramento, Midiamax)

Casos aumentam com crianças de férias

Os dados da Sejusp mostram também que o mês de janeiro é o período de maior ocorrência de estupro em todos os anos no recorte de 2018 até 2023, o que evidencia uma prevalência de casos no período de férias, que afeta diretamente as crianças e adolescentes, principalmente meninas e mulheres.

“O estupro é um crime que acontece, na maioria das vezes, no ambiente doméstico e por pessoas conhecidas da vítima, como pais, padrastos, tios, avós, irmãos e vizinhos. São pessoas com quem a vítima tem algum vínculo, o que facilita a ação dos agressores. A violência por parte de mulheres também ocorre, mas com menor frequência”, explica.

A cultura patriarcal, que resulta no machismo e na misoginia, produz relações violentas, de posse, controle e dominação das mulheres. Nas últimas décadas, o movimento feminista e grupos de mulheres conseguiram tirar esse problema da invisibilidade e chamaram a atenção para as diversas violências a que as meninas e mulheres estão submetidas.

“Acredito que o aumento dos números está associado a vários fatores além do aumento da violência em si, como a maior compreensão do que é entendido como estupro atualmente, a alteração de leis antigas, a criação de novas leis, o aumento da visibilidade dos casos, a realização de campanhas encorajando as denúncias e o aumento da reprovação social”, diz a psicóloga.

Campo Grande

Na Capital, as crianças são a maioria entre as vítimas. Das 4.543 vítimas, 2.338 são crianças (51,4%); 1.266 são adolescentes (27,8%); 407 jovens (8,9%); 303 adultos (6,6%); 36 idosos (0,8%) e 193 o SIGO não detalhou (4,2%).

Por sexo, 3.721 são do feminino (81%); 573 do masculino (12,6%) e 249 não informado (5,4%).

“É uma mudança que vai levar tempo, pois a cultura patriarcal e machista ainda é muito forte. Atualmente, apesar dos avanços e conquistas das mulheres, a sociedade ainda é muito desigual para meninos e meninas, para homens e mulheres”, completa.

Dados sobre as vítimas de estupro em Campo Grande de 2018 a 2023 (Madu Livramento, Midiamax)

Políticas públicas para combater estupros

Ainda segundo Márcia Paulino, entre as alternativas e caminhos para enfrentar este problema e abaixar o número de vítimas de estupro no Estado é a educação sexual junto à atuação firme do poder público.

“A educação sexual é um caminho para enfrentar esse problema e diminuir os índices. Orientar e informar sobre o que é violência, sobre os limites das relações e do acesso aos corpos das crianças e adolescentes é fundamental para aumentar a proteção. Mas ainda acredito que só teremos uma mudança significativa com atuações no âmbito do poder público e envolvimento de todas as instituições sociais. Esse não é um problema individual, nem só das meninas e mulheres, e sim de toda a sociedade”.

Maníaco do Parque das Nações e lutadores de jiu-jítsu

No dia 2 de outubro, a prisão de José Carlos Santana, que ficou conhecido como “Maníaco do Parque das Nações Indígenas”, pelos crimes de estupros cometidos em Campo Grande, ganhou repercussão em todo o Estado.

Sete vítimas procuraram a polícia para informar os crimes cometidos por ele, que já cumpriu pena por estupro em 2007, quando veio para Mato Grosso do Sul por ser procurado pela polícia espanhola por estuprar duas mulheres no país europeu.

Em agosto, outro caso ocorrido em Mato Grosso do Sul ganhou repercussão nacional. Os lutadores de jiu-jítsu Erberth Santos de Mesquita e André Pessoa espalharam medo e terror em Campo Grande e Três Lagoas, cidades onde eles estupraram quatro mulheres e roubaram os locais onde elas trabalhavam.

A dupla foi presa no dia 24 de agosto. A prisão foi realizada em Boituva, no interior de São Paulo. A princípio, os dois foram detidos pelo crime de receptação, no entanto, os militares que efetuaram as prisões haviam recebido alerta de militares do Batalhão de Choque de Campo Grande, sobre os estupros e roubos na Capital e em Três Lagoas.

No dia 25 de agosto, eles passaram por audiência de custódia e tiveram a prisão preventiva decretada pelo Poder Judiciário de Boituva (SP), no interior paulista. Depois, foram encaminhados para um presídio em Sorocaba, que recebe somente presos que cometeram crimes contra a liberdade sexual.

As denúncias de estupros podem ser feitas no Disque 100, 190 e delegacias de Polícia Civil e Militar em todo o Estado.

 

Matéria: Jornal Midiamax

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