O suposto esquema de venda de sentenças que levou a Polícia Federal a investigar e afastar desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), ganha desdobramentos após a repercussão do caso.
No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma denúncia questiona a ação de desembargadores investigados em processos julgados pelos magistrados e pede providências ao órgão.
O documento foi protocolado pelo produtor rural Osmair Alves de Macedo, que alega ser vítima em processos “com resultados estranhos” e pede, ainda, a investigação do advogado Coraldino Sanches Filho. Ele aponta que já teve prejuízos que totalizam R$ 30 milhões em processos de pagamento de honorários advocatícios com sentenças que tiveram “decisões estranhas”.
Osmair contou que Coraldino foi seu advogado em diversos processos judiciais, entre eles, uma ação em que foi vítima de agiotagem. Pela defesa, o produtor disse que pagou cerca de R$ 100 mil em honorários, contudo, o advogado teria exigido mais R$ 2 milhões e processou o agricultor.
Conforme Osmair, o advogado Jerônymo Ivo Cunha, recorreu da ação que exigia o pagamento dos honorários. No processo judicial, Jerônymo argumenta que os honorários são “abusivos” e cita uma nova cobrança feita por Coraldino, de R$ 10 milhões pelo serviço prestado.
O recurso apresentado pelo produtor teve como relator o desembargador Sideni Soncini Pimentel – um dos investigados na operação Última Ratio da Polícia Federal por venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ/MS).
O escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, que defende o desembargador Sideni, negou qualquer tipo de irregularidade no julgamento do processo. “A defesa do desembargador Sideni Pimentel reitera que todas as decisões exaradas pelo magistrado se deram com base nas provas e no estrito cumprimento da legislação aplicável ao caso. Embora não tenha sido intimada a respeito desta representação, prestará todas as informações necessárias, confiando que o CNJ não será instrumentalizado como instância recursal”.
A apelação do produtor foi negada pelo TJ/MS. Um dos principais questionamentos feitos pelo produtor em relação a sentença do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e levada ao CNJ foi o do critério utilizado pelo advogado para corrigir o valor dos seus honorários, o vaca-papel.
Esse sistema de correção, que inclusive, já foi questionado e resultou na anulação de outros processos não relacionados a essa causa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), usa uma modelagem em que uma parte se obrigaria a cuidar de um determinado número de cabeças de gado, que na realidade não existe, são fictícias, com a obrigação de pagar os frutos desse rebanho de papel, como forma de atualizar valores devidos a outra parte.
No caso da cobrança de honorários, o produtor diz que o advogado pede no processo o equivalente ao valor de 500 cabeças de gado e os frutos desse rebanho, entre 1997 e 2014, chegando ao valor de R$ 10 milhões pelo serviço. No documento enviado ao CNJ, o produtor questiona a legalidade dessa correção e aponta erro nas duas instâncias em que o processo foi analisado, em primeiro grau e no segundo, quando foi relatado pelo desermbargador Sideni.
Ele classificou a exigência do pagamento do serviço com essa correção como “abusiva e ilegal”. “Eu fui vítima de uma especulação pecuária. Eu venho contestando [na justiça] e perdendo. Sou vítima de uma vergonha nacional”, relata o produtor rural, Osmair Alves de Macedo.
Sideni está afastado de sua função desde outubro e é monitorado por tornozeleira eletrônica. Outros quatro desembargadores também foram afastados e são monitorados por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reportagem entrou em contato com o CNJ para saber do posicionamento do órgão diante de mais essa denúncia de venda de sentenças no TJ/MS, mas também não recebeu nenhum posicionamento.
Ultima Ratio
A operação que afastou os cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul foi deflagrada em 24 de outubro por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que exigiu, ainda, o uso de tornozeleira eletrônica pelos magistrados. O monitoramento iniciou doze dias depois da deflagração da operação, em 5 de novembro. Estão afastados:
- Sérgio Fernandes Martins, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul;
- Sideni Soncini Pimentel, presidente do TJ eleito para 2025 e 2026;
- Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito também para os próximos dois anos;
- Alexandre Bastos, desembargador;
- Marcos José de Brito Rodrigues, desembargador.
Os magistrados também estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas.
Além deles, outros servidores do judiciário, um procurador de Justiça, empresários e advogados – alguns deles filhos dos desembargadores – são investigados por:
- lavagem de dinheiro
- extorsão
- falsificação
- organização criminosa
No dia 26 de outubro, a investigação saiu das mãos do ministro Francisco Falcão, do STJ, e ficou sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin, do STF.
Com a decisão, todo material apreendido, como celulares, computadores, anotações, agendas e mídias eletrônicas, ficou remetido ao STF. Desde então, cabe ao ministro Zanin requisitar à direção da PF uma nova equipe para seguir com a investigação sob sua relatoria.
Fonte: G1 MS