Os sintomas eram semelhantes ao de uma gestação mas exames apontaram a presença de um câncer
A jovem Hiromi Miyata se casou aos 19 anos, em maio de 2018. Meses depois, recebeu uma notícia que aguardava desde que oficializou a união: estava grávida.
A gestação era motivo de alegria para ela, para o então marido e para os parentes. “Foi um momento de emoção, porque desde antes de me casar já planejava como seria o meu bebê”, diz Hiromi, que mora em Mundo Novo (MS).
Semanas depois, a jovem descobriu que nunca esteve grávida. Isso porque, pouco após o óvulo dela ser fecundado, em vez do surgimento de um feto, um tumor começou a crescer em sua placenta (que se desenvolve no útero a partir da fertilização) e se tornou uma neoplasia trofoblástica gestacional — um câncer de placenta.
A massa que se desenvolveu no útero da jovem é conhecida como mola hidatiforme invasiva, uma espécie de tumor que cresce na placenta e costuma ser confundido, a princípio, com uma gestação — pois também eleva os níveis de beta HCG, o hormônio da gravidez.
“O meu útero nutriu a massa desse câncer como se fosse um bebê. Por isso produzi muito beta HCG e meus exames deram positivo para a gestação. O meu corpo entendeu que eu estava grávida e agiu assim”, diz Hiromi à BBC News Brasil.
Estudos apontam que essa mola pode surgir a partir do crescimento de um óvulo fertilizado de modo anormal ou em casos de crescimento excessivo da placenta, durante o desenvolvimento dela.
Pesquisas apontam que a doença é considerada pouco frequente, porém, não existem estatísticas oficiais. Há estudos que dizem que as doenças trofoblásticas representam menos de 1% dos cânceres do sistema reprodutor feminino.
Quando Hiromi recebeu o diagnóstico da doença, o câncer estava em estágio avançado. Os planos de ter um filho deram lugar à luta pela vida.
“Do momento em que descobri que nunca estive grávida até o fim do tratamento contra o câncer, vivi um grande misto de emoções. Precisei ser muito forte para lidar com tudo isso”, declara.
OS SINTOMAS
Depois do casamento, Hiromi começou a sentir sintomas de uma gestação. “Tive muitos enjoos, a minha barriga e os meus seios começaram a crescer e logo pensei que pudesse estar grávida”, diz.
Ela fez exame de gravidez e deu positivo. “Fiquei muito feliz com o resultado. Era o que planejávamos para aquele momento”, diz. Ela, que hoje tem 20 anos, afirma que sempre quis ser mãe cedo.
Hiromi foi ao hospital e fez um ultrassom que atestou que ela estava grávida de, aproximadamente, um mês. “O médico me disse que era uma gestação inicial, então eu não conseguiria ver direito o feto porque era muito miúdo. No exame, consegui ver um pontinho no meu útero, que pensei que fosse o meu filho.”
Ela ganhou diversos presentes de familiares para comemorar a chegada do bebê. “Foi um momento muito especial”, diz.
A preocupação de Hiromi com a gestação surgiu quando começaram os sangramentos frequentes. “Tomei remédios para tentar segurar o bebê, mas nada parecia adiantar”, diz. O médico afirmou que eles deveriam esperar algumas semanas para que pudessem avaliar a situação do feto.
“Quando completei oito semanas de gravidez, fiz um ultrassom que mostrou que não havia batimentos cardíacos no feto. O médico me disse que eu tinha perdido o bebê”, relata a jovem. A notícia da perda abalou a família.
“Foi muito decepcionante descobrir que não seríamos pais, porque a gente esperava muito ter um filho”, diz o agricultor Ricardo Gatti, de 19 anos, que na época era o marido da jovem.
A oncologista Junia Thirzah Gehrke, responsável por acompanhar o caso de Hiromi, afirma que uma doença na placenta pode ser interpretada como gestação até a quinta ou sexta semana da suposta gravidez. “O ideal é que a mulher faça o pré-natal completo, para que os médicos possam dar um diagnóstico corretamente o quanto antes”, explica.
“Mas é importante dizer que essas doenças são raras. O mais comum é que a mulher engravide e tenha uma gestação normal, sem esse tipo de problema grave”, acrescenta a especialista.
Após ser informada de que teria perdido o filho, Hiromi fez uma curetagem — procedimento de limpeza do útero. Os sintomas da gestação, porém, permaneceram.
“Era como se o bebê ainda estivesse no meu útero, mesmo após ter sido retirado”, diz Hiromi. Ela continuou com enjoos e sangramentos frequentes — e a barriga continuou crescendo como a de uma gestante.
Ela fez exames, que apontaram que a presença do câncer. O que havia sido eliminado na primeira curetagem, na verdade, eram as primeiras partes da mola, que continuou crescendo mesmo após o procedimento.
“Precisei fazer outras duas curetagens, mas, ainda assim, a massa continuava crescendo e meus níveis de beta HCG permaneciam altos, como se eu estivesse gestante”, diz.
“Passei por mais exames e descobri que essa mola se transformou em um câncer”, relembra Hiromi.
A DOENÇA
A descoberta do câncer abalou profundamente Hiromi. “Quando recebi o diagnóstico, gritei, chorei e esperneei. Achei que fosse castigo, mas logo fui buscando forças para enfrentar essa situação”, revela.
Ela conta que recebeu apoio do então marido e da família, principalmente da mãe.
Em dezembro de 2018, a jovem deu início ao tratamento contra a doença. No início de 2019, os exames apontaram uma metástase no pulmão e que a mola não parava de crescer. O tratamento, que a princípio envolveria um protocolo menos invasivo de quimioterapia, foi intensificado.
Por oito meses, ela passou por diversas sessões de quimioterapia em um hospital público de Dourados (MS), a cerca de 240 quilômetros da cidade em que mora. No período, ficou extremamente fraca e perdeu todos os pelos do corpo.
“Eu tinha um cabelo muito longo e decidi deixá-lo curtinho assim que eu descobri a doença, porque sabia que ficaria careca. Acho que esse momento foi mais difícil do que quando raspei o cabelo, durante a quimioterapia, porque quando comecei o tratamento já estava preparada para ficar careca”, conta.
Em setembro passado, ela encerrou os tratamentos. A jovem passou por novos exames que apontaram que o câncer sumiu. “Também não tenho mais a mola em meu útero”, comemora.
“O tratamento da Hiromi foi um sucesso. Ela teve uma remissão completa da doença. Ela não tem mais o câncer ativo”, explica a oncologista que acompanhou a jovem.
Mas Gehrke pondera que será necessário fazer acompanhamento frequente por, aproximadamente, cinco anos. “É um período necessário para avaliar se a doença não irá voltar. A gente ainda não pode falar em cura. Mas estamos otimistas. O acompanhamento agora é importante para que possamos identificar qualquer problema logo no início”, explica a médica.
APÓS A QUIMIOTERAPIA
Hiromi comenta que o fim do tratamento foi um dos momentos mais importantes da vida dela. “Nunca pensei que essa doença fosse me derrubar. Sempre acreditei na cura”, pontua.
Desde o fim da quimioterapia, a jovem decidiu recomeçar a vida. No fim do ano passado, terminou o casamento de um ano e meio. “Decidimos terminar. Mas é necessário dizer que ele foi uma pessoa muito importante, principalmente porque esteve ao meu lado durante toda a minha luta contra a doença.”
“Tenho que esperar, ao menos, dois anos para tentar uma gestação, pois antes disso há 50% de chances de eu desenvolver um novo câncer caso eu tente engravidar. No momento, ainda tenho muito medo”, diz a jovem. Ela não descarta adotar uma criança futuramente. “Mas ainda sonho muito com a minha gravidez”, afirma Hiromi.
Além de querer um filho, ela, que terminou o ensino médio pouco antes do casamento, quer fazer faculdade de biologia. “Gosto muito dessa área e sempre sonhei em fazer esse curso”, diz a jovem, que planeja se tornar professora.